Open-access O futuro do trabalho após a COVID-19: o papel incerto do teletrabalho no domicílio

Resumo

Introdução:  o teletrabalho no domicílio, uma das medidas adotadas para controlar a pandemia de COVID-19 e, ao mesmo tempo, manter o emprego, tem aumentado em vários países.

Objetivo:  refletir sobre o significado, a magnitude e as tendências do teletrabalho no domicílio, antes e durante a pandemia, enfatizando seus potenciais efeitos na saúde do trabalhador.

Discussão:  a precedente Convenção 177/1996 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre trabalho a domicílio e o acordo sobre teletrabalho entre agentes sociais na União Europeia, em 2002, apontam a dificuldade de regulamentar essa nova forma de organização do trabalho e da prevenção de possíveis lesões e doenças associadas, especialmente transtornos mentais e distúrbios musculoesqueléticos. São necessários estudos sobre os efeitos na saude dessa modalidade de trabalho para fornecer evidências científicas que embasarão normas em nível nacional e global. A inclusão de questões específicas e bem definidas, como as que a OIT propõe, em futuros levantamentos sobre as condições de trabalho, emprego e saúde poderá auxiliar tal objetivo e proporcionar uma oportunidade para observar os efeitos do teletrabalho no domicílio na saúde do trabalhador, bem como avaliar o impacto de uma necessária e urgente regulamentação.

Palavras-chave:
COVID-19; teletrabalho; saúde do trabalhador; inquéritos

Abstract

Introduction:  teleworking at home, one of the mitigation measures adopted to control the COVID-19 pandemic, while attempting to maintain employment, has increased in many countries.

Objective:  to reflect on the meaning, magnitude and trends of teleworking at home, before and during the pandemic, focusing on its potential effects on the health of workers.

Discussion:  the precedent of Convention 177/1996 of the International Labour Organization (ILO) on home work, and the agreement on teleworking between social agents in the European Union of 2002, underscore the difficulties of regulating this new form of work organization, and the prevention of possible injuries and associated diseases, especially mental and musculoskeletal disorders. The investigation of its effects on health is a priority to base its regulation at the national and global level on scientific evidence. The incorporation of specific, well-defined questions, such as those proposed by the ILO, in questionnaires of future surveys on working conditions, employment and health may help in this objective and provide an opportunity to monitor the effects on health of teleworking at home, as well as evaluating the impact of its necessary and urgent regulation.

Keywords:
COVID-19; telework; occupational health; surveys

Resumen

Introducción:  el teletrabajo en el domicilio, una de las medidas adoptadas para controlar la pandemia de COVID-19, y al mismo tiempo mantener el empleo, se ha incrementado en diversos países.

Objetivos:  reflexionar sobre el significado, la magnitud y las tendencias del teletrabajo en el domicilio, antes y durante la pandemia, focalizando en sus potenciales efectos sobre la salud de los trabajadores.

Discusión:  el antecedente del Convenio 177/1996 de la Organización Internacional del Trabajo (OIT) sobre trabajo a domicilio, y el acuerdo sobre teletrabajo entre agentes sociales en la Unión Europea de 2002, muestran la dificultad de regular esta nueva forma de organización del trabajo, y de la prevención de las posibles lesiones y enfermedades asociadas, especialmente los trastornos mentales y musculoesqueléticos. La investigación de sus efectos sobre la salud es una prioridad para fundamentar en evidencias científicas su regulación a nivel nacional y global. La incorporación de preguntas específicas, bien definidas, como las que propone la OIT, en cuestionarios de futuras encuestas sobre condiciones de trabajo, empleo y salud podrán ayudar en este objetivo y propiciar una oportunidad para monitorizar los efectos del teletrabajo en el domicilio sobre la salud, así como evaluar el impacto de su necesaria y urgente regulación.

Palabras clave:
COVID-19; teletrabajo; salud ocupacional; encuestas

Introdução

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) propôs uma reflexão sobre o futuro do trabalho durante seu centenário em 2019, o que possivelmente deverá ser repensado com o impacto causado pela pandemia de COVID-191. A própria OIT estima a perda do equivalente a 660 milhões de empregos de 40 horas semanais desde o início da pandemia em 20202. Nesse ano, o PIB mundial deverá encolher 5,2%, com uma contração de 7,0% nas economias desenvolvidas e de 9,1% na América Latina e Caribe3. Isso está tendo e continuará a ter um forte impacto no mercado de trabalho, com aumento do desemprego e, consequente, crescimento das desigualdades sociais4.

Além da profunda crise econômica local e mundial, a pandemia de COVID-19 trouxe algumas consequências que possivelmente permanecerão, mesmo quando poderemos considerar seu controle por meio da vacinação em massa da população. Uma delas será o teletrabalho no domicílio. O trabalho à distância realizado em casa tem sido uma medida até certo ponto “espontânea” para manter certas atividades econômicas em trabalhos que possibilitam as tecnologias da informação e comunicação (TIC). De fato, é possível que o teletrabalho esteja mitigando, em parte, o impacto econômico e social da crise sanitária5. Uma medida que tem sido difundida como modalidade de trabalho em circunstâncias normais e excepcionais, mas que não considerou seu impacto na saúde do trabalhador6), (7.

Na realidade, sabemos pouco sobre os efeitos do teletrabalho na saúde e menos sobre suas possíveis relações com a informalidade e a precariedade no trabalho. Além disso, é necessária uma perspectiva de gênero que considere a grande proporção da informalidade na inserção laboral das mulheres e as escassas políticas de proteção social para o cuidado da família, deixando-as em uma posição vulnerável em relação ao teletrabalho.

A ausência de revisões sistemáticas da literatura científica sobre teletrabalho impossibilita avaliar, neste momento, as evidências dos seus efeitos na saúde, de acordo com a diversidade dos contextos normativos e setoriais, bem como suas diferenças segundo ocupação, escolaridade, classe social ou gênero. Portanto, os impactos na saúde que destacaremos a seguir resultam de uma seleção oportuna de antecedentes que, mais do que apresentar recomendações sobre quais critérios devem ser adotados para legislar essa modalidade de trabalho, visa mostrar a heterogeneidade de hipóteses e incertezas em nosso conhecimento sobre o teletrabalho.

Para esclarecer as diferentes denominações e conceitos que se aplicam ao teletrabalho, a OIT propõe a distinção entre trabalho à distância (remote work), teletrabalho (telework), trabalho a domicílio (work at home) e trabalho baseado em casa (home-based work), além de incluir diversas interfaces entre eles, como teletrabalho no domicílio (telework from home) (8. Diante do contexto da pandemia, será dado enfoque a essa última modalidade definida pela OIT como “trabalho no domicílio realizado com recursos eletrônicos” (p.7) (8.

Dessa maneira, o objetivo deste ensaio é refletir sobre o significado, a magnitude e as tendências do teletrabalho no domicílio, antes e durante a pandemia, enfatizando seus possíveis efeitos na saúde e no bem-estar dos trabalhadores, os quais devem ser monitorizados para que sejam considerados nas legislações pós-pandemia.

Antes da pandemia

O teletrabalho no domicílio não é um fenômeno novo. Em 1995, entre 4% e 7% das pessoas na União Europeia realizavam teletrabalho no domicílio, em pelo menos 50% do seu tempo9. Em 2015 essa cifra aumenta para 17%10, incluindo nessa porcentagem pessoas que trabalham regularmente em casa (regular home-based teleworkers) e as que alternam trabalho fora e dentro das dependências da empresa, inclusive no domicílio (High mobile and occasional teleworkers).

Na Argentina, o teletrabalho ocupava, em 2007, apenas 6% da população economicamente ativa11. Em 2018, o percentual estimado de assalariados em unidades produtivas que realizam parte de seu trabalho em local fora das dependências do empregador por meio das TIC (em média, mais de 3 dias por semana) aumentou 13,8%, com maior predomínio das mulheres (16% vs. 12%)12.

A legislação dessa nova modalidade de organização de trabalho tem um precedente valioso na Convenção 177 da OIT, assinada em 1996, sobre trabalho no domicílio13. A referida convenção define trabalho a domicílio como “aquele trabalho executado pelo trabalhador em seu domicílio ou em outros locais que escolha, distintos dos locais de trabalho do empregador, em troca de uma remuneração, com objetivo de elaborar um produto ou prestar um serviço conforme as especificações do empregador, independentemente de quem proporcione o equipamento ou demais recursos utilizados para trabalhar”. Cabe destacar que nessa convenção estão excluídos os trabalhos ocasionais no domicílio, bem como aqueles desempenhados pelos trabalhadores autônomos. Para isso, a empresa deve “garantir a proteção da segurança e saúde no trabalho”, ao mesmo tempo deve ter um sistema de inspeção para “garantir que a legislação aplicável ao trabalho a domicílio seja cumprida”. Até o momento, essa convenção foi ratificada por dez países, entre eles a Argentina é o único representante da América Latina. Isso ilustra as dificuldades práticas de sua aplicação, tanto pela diversidade de situações que podem ocorrer nos domicílios quanto pela situação conflitiva que representa o controle das condições de trabalho pelas autoridades trabalhistas em uma residência privada.

Em 2002, a União Europeia estabeleceu um acordo entre representantes de empregadores e trabalhadores com o objetivo de oferecer mais segurança aos trabalhadores assalariados (empregados) que realizam teletrabalho14. Na avaliação desse acordo solicitada pela própria Comissão Europeia em 2008, aponta-se a necessidade de ter uma maior clareza do teletrabalho realizado por profissionais autônomos, visto que esta pode ser uma forma de transferir tarefas comuns, até então realizadas pela empresa e pelos funcionários. Uma transferência de tarefas que pode levar à contratação desses serviços em outros países com diferentes custos trabalhistas e outras normas15. O Quadro 1 sintetiza as condições básicas que devem ser consideradas no teletrabalho, segundo acordo entre os agentes sociais europeus, e que atualmente servem de referência para muitos países em relação à regulamentação do teletrabalho.

Quadro 1
Condições que devem ser consideradas na regulamentação do teletrabalho segundo acordo entre representantes dos trabalhadores e empregadores na União Europeia16

Os países da América Latina e Caribe também abordaram a regulamentação do teletrabalho. Por exemplo, e sem a intenção deste texto ser exaustivo, cabe destacar que em 2003 iniciou-se um processo com a colaboração da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) que culminou na aprovação da Agenda Digital eLAC2020. Nesse documento ficou definida como objetivo governamental a promoção do teletrabalho nos países da região17. Especificamente, a Argentina estabeleceu em 2013 que, para o teletrabalho, o empregador deve fornecer ferramentas de trabalho e, entre outras medidas, um manual de normas de segurança e higiene do trabalho18. Em 2017, o Brasil definiu o teletrabalho como “[...] a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo(19.

A Costa Rica estabelece em 2019 uma norma para que os trabalhadores possam desenvolver suas atividades por meio do teletrabalho20. No Chile, embora o debate sobre a regulamentação do teletrabalho tenha começado em 2018, essa modalidade só foi aprovada no início da pandemia21. Em fevereiro de 2020, o Panamá aprovou uma lei que regulamenta o teletrabalho22. Dessa forma, estamos testemunhando um esforço para regulamentar o teletrabalho; no entanto, apesar desses avanços na regulamentação do teletrabalho antes da pandemia, pouco se estudou sobre seus efeitos na saúde, que devem ser tratados em um estudo comparativo entre os países da região, com atenção especial aos mecanismos e recursos previstos para cumprir as regulamentações correspondentes.

Esse ponto foi enfatizado pela Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, que aponta possíveis riscos para a saúde associados à frequente digitação, aumentando a exposição a riscos psicossociais (estresse) e ergonômicos (distúrbios musculoesqueléticos). Além disso, o teletrabalho dificulta a regulamentação das relações de trabalho (transformando assalariados em trabalhadores autônomos) e o acesso a benefícios (licença médica, licença-maternidade, férias etc.), bem como a participação sindical23. O Quadro 2 resume os prós e os contras do teletrabalho com base na literatura disponível antes da pandemia.

Quadro 2
Prós e contras do teletrabalho no domicílio antes da pandemia

Durante a pandemia

A declaração de emergência de saúde pública pela OMS em 30 de janeiro de 2020, resultante da COVID-19, acarretou a incorporação de milhares de trabalhadores ao teletrabalho como uma estratégia para controlar a pandemia e manter a atividade econômica e os empregos. De acordo com o levantamento on-line europeu realizado com mais de 85 mil pessoas em suas casas em abril de 2020, 37% dos participantes começaram a trabalhar em domicílio com o início da pandemia24. Uma proporção que chega a 60% na Finlândia, 20% na Romênia, 40% em Portugal e 30% na Espanha25. Nos Estados Unidos, o percentual atinge 34% de uma amostra de 25 mil trabalhadores, em 202026.

Na América Latina, segundo um estudo realizado na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México, houve um aumento de 324% no teletrabalho entre o primeiro e o segundo trimestre de 2020, apesar de estimativas de que apenas 21,3% tinham possibilidade de realizar o teletrabalho (de 80% entre profissionais, cientistas e técnicos a 15% entre trabalhadores no comércio e 1% na agricultura), evidenciando a natureza do trabalho e a lacuna no acesso à Internet. Em junho de 2020, 44% dos países da América Latina e do Caribe não atingiam a velocidade de download que permite desenvolver simultaneamente várias atividades on-line27.

Nesse contexto, um estudo inicial realizado no Brasil entre maio e junho de 2020 mostrou que, no total, 8,7 milhões de pessoas trabalhavam remotamente, correspondendo a 24,7% do setor público e 8% do setor privado, com o predomínio de mulheres, entre 30 e 39 anos de idade e com nível de escolaridade superior28. Na Argentina, um levantamento de 2018 mostrou que 26,3% das ocupações teriam potencial para o teletrabalho29. Atualmente, cerca de 75% dos funcionários do setor público estão realizando suas tarefas à distância durante o distanciamento social30. No setor privado, segundo outra avaliação, 28,5% do emprego registrado na Argentina poderia ser realizado à distância31.

Uma revisão preliminar sobre os efeitos na saúde causados pela incorporação massiva ao teletrabalho aponta o aumento da frequência de lesões associadas a acidentes domésticos (por queda, escorregão, pancada, incêndio etc.), distúrbios musculoesqueléticos associados ao trabalho no computador, transtornos mentais associados ao estresse e a hábitos como dieta, exercícios físicos, sono ou vícios32. Um levantamento realizado on-line no Brasil com 45.161 pessoas maiores de 18 anos mostrou que, durante a pandemia, 34% dos fumantes consumiram mais cigarros, 17,6% aumentaram o consumo de álcool e 17% reduziram a realização de atividade física. Além disso, o consumo de alimentos não saudáveis teve um aumento entre os adultos jovens (18 a 29 anos): de 54,2%, antes, para 63,0% durante a pandemia33.

Já na Argentina, um levantamento com professores de escolas privadas34 constatou que o teletrabalho obrigatório rompe o vínculo com o aluno. Também desfaz a fronteira entre vida pessoal e vida profissional: 44% deixam de fazer pausas no trabalho e se desconectarem. Em relação à ampliação da jornada de trabalho, 47% dos professores trabalham mais horas do que o normal. Em outro estudo realizado na Costa Rica com uma amostra de 437 funcionários em call centers, 11% declararam trabalhar mais de 48 horas semanais, realizando o trabalho no quarto (39%), na sala de estar (16%) ou na sala de jantar (9%)35.

É possível que parte desses efeitos, especialmente aqueles relacionados à saúde mental durante a pandemia, também esteja relacionada com o isolamento geral da população, principalmente nos casos em que o teletrabalho coincidiu com os cuidados de pessoas dependentes, principalmente filhos menores, pois as escolas também fecharam durante um período. Situação que pode se agravar no caso das mulheres que conciliaram o teletrabalho com o cuidado de dependentes em casa. Nesse sentido, entre as consequências mais proeminentes da pandemia está o aumento da violência doméstica36; portanto, o teletrabalho pode agravar um problema pré-existente, talvez com características diferentes.

Em resposta a todos os problemas decorrentes da aplicação dessa forma de organização do trabalho37, países como Argentina38 e Espanha39 aprovaram na pandemia normas específicas para regulamentar o teletrabalho com o objetivo de prevenir seus efeitos negativos na saúde, entre outros motivos. E planejam continuar a aplicar essa legislação com o fim da pandemia.

O futuro do teletrabalho no domicílio

A expansão da capacidade e da cobertura das conexões de Internet facilita o progresso exponencial como o que ocorreu nesses meses de pandemia. Uma mudança tão abrupta que podemos analisá-la como um experimento natural, pois pode nos fornecer informações sobre seus efeitos na saúde, tanto positivos quanto negativos.

Estudar o teletrabalho e seus efeitos na saúde é uma prioridade urgente nas pesquisas em saúde do trabalhador, cujos resultados são essenciais para regulamentá-lo de forma adequada. Nessa legislação deve constar a saúde e segurança no trabalho como elemento central e deve incluir tanto os profissionais assalariados, que aceitaram voluntariamente o teletrabalho, quanto os autônomos. Caso contrário, podemos ver um aumento no número de autônomos fazendo teletrabalho, se para estes a regulamentação for muito branda ou inexistente, o que contribuirá ainda mais para a precariedade e até a informalidade no emprego.

Dessa forma, o teletrabalho não será a panaceia econômica e social, nem durante nem depois da pandemia. Algumas características econômicas estruturais impõem limites: alguns modelos de desenvolvimento com base no uso intensivo de mão de obra e recursos naturais; atividades econômicas abundantes com baixa produtividade; grande rentabilidade de negócios sem a necessidade de investimento ou inovação; cobertura e acesso à Internet incipiente para a população e em extensas áreas geográficas; e mercados de trabalho com alta informalidade, especialmente na América Latina. Da mesma forma, há limites resultantes da configuração política institucional de alguns estados com políticas sociais e trabalhistas pouco desenvolvidas, enormes deficiências na arrecadação e captação de tributos, bem como baixa capacidade de fiscalizar e controlar o cumprimento de normas. Nesse contexto, essa modalidade de trabalho facilita a precarização do trabalho, terceirizando ou intensificando o trabalho das pessoas.

Como a pandemia ainda não acabou, e possivelmente isso só acontecerá quando tivermos vacinas eficazes e disponíveis para todos, é difícil determinar quais mudanças continuarão e quais serão temporárias. O que podemos prever é que a necessidade do teletrabalho ainda continuará como estratégia de prevenção (ou mitigação). E podemos levantar a hipótese de que uma parte substancial do teletrabalho continuará mesmo com o fim da pandemia. Entre os argumentos que sustentam essa hipótese estão os benefícios que as empresas estão tendo com o aumento da produtividade25. Algumas dessas vantagens devem ser contrastadas quanto à saúde e segurança dos trabalhadores, principalmente em relação ao tempo de trabalho. O próprio teletrabalho pode aumentar as desigualdades, se continuar como uma opção, principalmente para os setores mais produtivos da economia e para as pessoas com níveis de formação mais elevados.

Assim, as particularidades do teletrabalho fazem com que seu impacto epidemiológico, embora incida sobre a saúde e a segurança daqueles que o exercem, não seja a eles limitado. Ou seja, não se pode delimitar a observação dos trabalhadores no domicílio como se não fossem mães, pais ou filhos/as, pois o trabalho abrange a realidade familiar e envolve os membros da família na atuação dos trabalhadores. As jornadas trabalhistas se complementam e se opõem às obrigações na família; os espaços e locais de trabalho também são para jogos e entretenimento; paradoxalmente, os direitos trabalhistas podem estar em contradição com os direitos do cidadão e a proteção pública com a privacidade e liberdade individual. Como contraponto, o distanciamento físico do local de trabalho e as relações sociais produzidas fragilizam a percepção de pertencimento e identidade coletiva.

Uma estratégia para aprofundar o conhecimento sobre o trabalho no domicílio é monitorar e comparar sua magnitude em diferentes países por meio de inquéritos. Para tanto, conforme propõe a OIT, é necessário incluir algumas questões relacionadas com o local habitual de trabalho nos inquéritos sobre as condições de trabalho, por exemplo: Onde você costuma trabalhar? Caso a resposta seja o próprio domicílio, perguntar: 1) Você usa computador, tablet ou telefone para realizar seu trabalho no domicílio? 2) O teletrabalho é realizado em seu escritório ou em um espaço de uso comum entre os moradores? Essas perguntas simples, incluídas nos inquéritos, como o Questionário básico sobre as Condições de Trabalho, Emprego e Saúde na América Latina e Caribe (CTESLAC) (40, permitirão identificar e comparar as condições de trabalho, emprego e saúde das pessoas que realizam teletrabalho no domicílio e em outros locais, utilizando outros recursos. Isso auxiliará na produção de evidências empíricas para embasar a regulamentação e o controle dessa modalidade de trabalho.

Referências

  • 2
    Os autores informam que este trabalho não foi apresentado em evento científico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2020
  • Revisado
    21 Jan 2021
  • Aceito
    25 Jan 2021
location_on
Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO Rua Capote Valente, 710 , 05409 002 São Paulo/SP Brasil, Tel: (55 11) 3066-6076 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: [email protected]
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro
OSZAR »