Open-access A promoção da saúde na agenda retórica presidencial brasileira (2006-2023)

Health promotion in the Brazilian presidential rhetorical agenda (2006-2023)

La promoción de la salud en la agenda retórica presidencial brasileña (2006-2023)

Resumo

O objetivo do estudo foi analisar a atenção dada à promoção da saúde na agenda retórica presidencial brasileira no período de 2006 a 2023. Trata-se de uma pesquisa exploratória, documental e quanti-qualitativa. O estudo foi delineado com base nos pressupostos teóricos da ciência política, especificamente o modelo teórico do equilíbrio pontuado. Os resultados apontaram que a imagem política dos presidentes foi concebida por meio da percepção de hábitos de vida saudáveis e oferta de medicamentos como vetores de promoção da saúde. Além disso, associou-se o fomento da intersetorialidade da política com base nas seguintes áreas governamentais: educação; esporte e juventude. A análise comparativa entre os governos possibilitou a compreensão do processo de seleção e priorização das pautas correlatas à promoção da saúde ao longo do tempo, evidenciando ações incrementais e momentos de pontuação. A relevância deste estudo perpassa o preenchimento das lacunas científicas sobre o tema e a possibilidade de utilização dos resultados citados como preditor para tomada de decisão política, levando-se em consideração o processo de formação da agenda de prioridades em saúde.

Palavras-chave:
Saúde pública; Política de saúde; Promoção da saúde; Planejamento em saúde; Agenda de prioridades em saúde

Abstract

The objective of this study was to analyze the attention given to health promotion on the Brazilian presidential rhetorical agenda between 2006 and 2023. It is based on exploratory documentary and quantitative-qualitative research. The study was designed based on the theoretical assumptions of political science, specifically, the theoretical model of punctuated equilibrium. The results showed that the political image of the presidents was conceived through the perception of healthy lifestyle habits and the supply of medicines as vectors of health promotion. Furthermore, the promotion of intersectoral policy was associated with the following government areas: education, sport and youth. The comparative analysis between governments made it possible to understand the process of selection and prioritization of agendas related to health promotion over the course of time, thus pinpointing incremental actions and major highlights. The relevance of this study lies in filling the scientific gaps on the topic and the possibility of using the aforementioned results as a predictor for political decision-making, taking into account the process of forming the agenda of health priorities.

Key words:
Public health; Health policy; Health promotion; Health planning; Health priority agenda

Resumen

Este estudio tuvo como objetivo analizar la atención prestada a la promoción de la salud en la agenda retórica presidencial brasileña, de 2006 a 2023. Se trata de una investigación exploratoria, documental y cuantitativo-cualitativa. El estudio fue diseñado con base en los supuestos teóricos de la ciencia política, específicamente, el modelo teórico de equilibrio puntuado. Los resultados mostraron que la imagen política de los presidentes se concibió mediante la percepción de hábitos de vida saludable y la provisión de medicamentos como vectores de promoción de la salud. Además, la promoción de la intersectorialidad de la política se asoció con las siguientes áreas de gobierno: educación, deporte y juventud. El análisis comparativo entre gobiernos permitió comprender el proceso de selección y priorización de agendas relacionadas con la promoción de la salud a lo largo del tiempo, destacando acciones incrementales y puntuando momentos. La relevancia de este estudio implica llenar vacíos científicos sobre el tema y la posibilidad de utilizar los resultados antes mencionados como predictor para la toma de decisiones políticas, teniendo en cuenta el proceso de formación de la agenda de prioridades en salud.

Palabras clave:
Salud pública; Política de salud; Promoción de la salud; Planificación de la salud; Agenda de prioridades de salud

Introdução

A promoção da saúde se constitui por meio de políticas públicas e ações coletivas com o intuito de melhorar a saúde e a qualidade de vida das pessoas a partir da redução de fatores de risco à saúde1.

A partir de 1960, países europeus passaram a debater a situação econômica e social da saúde. Consequentemente, essa dinâmica contribuiu para o surgimento de uma nova abordagem para o setor na perspectiva de superar o modelo focado no controle ou combate das patologias ou enfermidades. Tal concepção teve como premissa o desenvolvimento de ações que possibilitassem uma vida mais saudável para os seres humanos2.

A década de 1980 representou um marco histórico para a promoção da saúde no contexto político-administrativo brasileiro, tendo em vista a realização da 8° Conferência Nacional de Saúde3. Outro acontecimento marcante no país foi o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, que provocou influências sociais e históricas na formulação da política de promoção da saúde. Para Campos4, esse movimento possibilitou a promoção da saúde como política que deve ser incorporada em todos os níveis da gestão em saúde.

A Constituição Federal de 1988 e a Lei 8.080, de 1990, que regulamentou o Sistema Único de Saúde (SUS), desencadearam uma janela de oportunidade para a construção da Política Nacional de Promoção da Saúde por meio de um amplo processo de arranjos institucionais entre Ministério da Saúde, gestores dos SUS, universidades e diferentes atores sociais3. Concomitantemente, estabeleceu-se a possibilidade de ampliação da atenção dada ao tema na agenda retórica presidencial.

Vale ressaltar que Cohen5 conceitua a agenda retórica como espaço de atenção dada a determinado tema nos discursos ou documentos oficiais direcionados a grupos de interesse ou público que integram a política pública. Assim, pesquisar o processo de formação dessa agenda possibilita identificar como os atores políticos priorizaram determinado tema entre diversos6,7.

Diante do exposto, elencou-se a possibilidade de análise da atenção dada à promoção da saúde na agenda retórica presidencial brasileira com base no marco temporal de promulgação da política citada. A compreensão dessa dinâmica política se apresenta como um campo a ser explorado pelos pesquisadores, tendo em vista as lacunas existentes na produção científica nacional8.

Ao levar em consideração os fatos citados, foi estabelecida a seguinte questão-problema: qual a atenção dada à promoção da saúde na agenda retórica presidencial brasileira no período de 2006 a 2023? Logo, o objetivo da presente pesquisa foi responder a essa pergunta e analisar as questões envolvidas.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa documental, de caráter exploratório, com abordagem quanti-qualitativa9. Teve como referência empírica a gestão pública brasileira por meio da análise da agenda presidencial. O recorte temporal (2006-2023) se justifica pela necessidade de análise longitudinal da atenção dada à promoção da saúde como pauta da agenda retórica e, ao mesmo tempo, a compreensão das ideias e prioridades elencadas pelos atores políticos e os arranjos institucionais delineados ao longo do tempo.

Do ponto de vista metodológico, a pesquisa foi delineada com base no modelo teórico do equilíbrio pontuado. Consequentemente, optou-se pela categoria analítica denominada agenda retórica5. Os indicadores utilizados na análise da atenção dada ao tema se referem aos documentos oficiais produzidos pelos atores políticos. Para tal, foram utilizados planos de governo, discursos de posse, mensagens presidenciais e orçamentárias como indicadores de atenção e, consequentemente, fonte de coleta de dados.

Os planos de governo encontram-se disponíveis no site http://divulgacandcontas.tse.jus.br. Os discursos de posse, as mensagens presidenciais e orçamentárias encontram-se disponíveis no portal da Biblioteca da Presidência da República - http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/.

As informações coletadas foram organizadas por meio desses indicadores e analisadas a partir da codificação de dados. Esse tipo de análise pode ser utilizado em vários contextos de informações, tais como documentos escritos ou numéricos. Para tal, considerou-se a codificação elencada no codebook, livro de códigos utilizado na análise do processo de formação de agenda10.

Para coleta dos dados, utilizou-se o código “Saúde” e o subcódigo “Prevenção e Promoção da Saúde”. Os dados foram coletados e organizados com o auxílio do software de análise de conteúdo Nvivo, versão 12, voltado à análise de informações qualitativas para o trabalho com documentos textuais, otimizando a organização, a categorização e a análise dos dados.

Posteriormente, analisaram-se os dados estatísticos (frequência absoluta e relativa), sendo possível diagnosticar as mudanças anuais e elaborar os gráficos e tabela que alicerçaram as discussões da pesquisa. Ao levar em consideração a necessidade de fortalecimento da ciência aberta, o material primário e os detalhamentos metodológicos desta pesquisa encontram-se disponíveis no repositório multidisciplinar para disseminação de dados de pesquisa de artigos submetidos e aprovados para publicação do SciELO (https://data.scielo.org/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.48331/scielodata.HQHSAO).

Resultados e discussão

Em relação aos planos de governo, os resultados apontaram a existência de pautas relacionadas ao código saúde nos diversos documentos analisados. Por outro lado, diagnosticou-se o reduzido número de pautas vinculadas ao subcódigo prevenção e promoção da saúde.

Nesse sentido, identificou-se o total de 74 menções ao código saúde, levando-se em consideração o anos de 2006, 2010, 2014, 2018 e 2022. Vale destacar que esses anos se referem aos períodos eleitorais evidenciados no recorte temporal estabelecido pela pesquisa.

Do ponto de vista quantitativo, o menor número de menções à saúde se relaciona ao plano de governo de Luís Inácio Lula da Silva de 2022, que apresentou 14 menções. Em contrapartida, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro tiveram o maior número de referências à saúde, 21 menções, nos anos de 2010 e 2018, respectivamente.

Em relação ao subcódigo prevenção e promoção da saúde, foi possível identificar um total de quatro menções no período investigado. Vale destacar a atenção ao tema com duas menções no plano de governo de Dilma Rousseff em 2010 e, paradoxalmente, a ausência de menções à promoção da saúde em 2014. A baixa atenção dada ao tema também foi recorrente nos planos de governo de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro, que fizeram apenas uma menção em 2006 e 2018, respectivamente.

Para a análise da dinâmica da promoção da saúde nos planos de governo, identificou-se a frequência de menções ao termo prevenção e promoção da saúde e calculou-se o percentual de atenção no plano de governo com base nas menções ao código saúde, conforme observado no Gráfico 1.

Gráfico 1
Percentual de atenção ao subcódigo prevenção e promoção da saúde nos planos de governo dos candidatos à presidência da república - 2006 a 2022.

Luís Inácio Lula da Silva teve o percentual de atenção à promoção da saúde correspondente a 6,6% em 2006, enquanto Dilma Rouseff apresentou o percentual de atenção de 9,5% em 2010. Entretanto, a ausência de pautas para promoção da saúde em 2014 ocasionou uma ruptura na sequência de menções ao tema. Em 2018, a pauta retorna à agenda retórica com Jair Bolsonaro, que apresentou o percentual de atenção de 4,7%.

Para Fonseca et al.11, a constituição da agenda de promoção da saúde no contexto estadual apoia-se mais na representação simbólica, em detrimento ao delineamento de políticas efetivas. Entretanto, o achado da pesquisa demostra a pouca representatividade do tema na arena eleitoral, revelando a falta de representação simbólica da promoção da saúde como pauta prioritária da política sanitária brasileira.

A atenção ao tema concentrou-se no fortalecimento das ações de saúde e na ampliação do acesso aos serviços ofertados pelo SUS para toda a população. No plano de governo de Luís Inácio Lula da Silva foi possível identificar uma ação intersetorial, com a proposta de articulação de programas de esporte e lazer como iniciativa de promoção da saúde por meio de parcerias entre estados e municípios.

Dilma Rouseff apresentou duas pautas relacionadas à promoção da saúde no primeiro mandato. A primeira pauta vinculou-se à promoção de ações de saúde articuladas com a Política Nacional de Juventude, enquanto a segunda se referiu à promoção da saúde da mulher através de ações de fortalecimento dos direitos sexuais e reprodutivos, reafirmando o direito das mulheres ao aborto nos casos já estabelecidos na legislação vigente.

Jair Bolsonaro apresentou a inclusão do profissional de educação física nos programas de saúde da família com a finalidade de ativar as academias ao ar livre por meio de orientação profissional na prática regular de exercício físico, na perspectiva de tornar a população mais ativa e combater o sedentarismo, a obesidade e seus desdobramentos.

Segundo Paula et al.12, a inclusão do profissional de educação física pode colaborar para o controle e até mesmo no tratamento de doenças crônicas não transmissíveis. De acordo com os autores, a maioria das mortes que ocorrem no mundo estão associadas às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), entre elas a hipertensão, a diabetes e as doenças cardiovasculares.

No contexto da PNPS, as principais ações relacionadas à prática corporal e à atividade física se referem à organização da vigilância de fatores de risco e à proteção contra doenças crônicas, bem como ações de comunicação, financiamento de projetos de atividade física e avaliações dos programas de prática de atividade física existentes nos municípios brasileiros13.

Para Luz14, a ideia de promoção da saúde encontra-se vinculada a diversos fatores, como: moradia, saúde, aspectos econômicos, padrões socioafetivos, psicológicos e físicos. Dessa forma, deve-se levar em conta as diversas variáveis que influenciam o processo de promoção da saúde para além da lógica interna da prática regular de atividade física e/ou hábitos alimentares saudáveis.

Em relação aos discursos de posse dos presidentes eleitos, os resultados apontaram a existência de pautas relacionadas ao código saúde nos diversos documentos analisados. Em contrapartida, diagnosticou-se um reduzido número de pautas vinculadas ao subcódigo prevenção e promoção da saúde.

Foi possível identificar 13 menções ao código saúde. Michel Temer foi o único que não mencionou o subcódigo. Jair Bolsonaro fez uma mençãoe Luís Inácio Lula da Silva fez duas menções. Dilma apresentou o maior quantitativo de menções ao código saúde. Em 2011, no seu primeiro mandato, mencionou sete vezes, e posteriormente, no segundo mandato, mencionou três vezes, especificamente no ano de 2015.

A pauta recorrente nos discursos de posse foi relacionada ao acesso aos serviços essenciais, entre eles a saúde. Além disso, foi possível observar menções ao fortalecimento do SUS por meio da alocação de recursos para capacitação de profissionais e parcerias com o setor privado no intuito de qualificar os serviços de diagnóstico e tratamento de doenças.

No que diz respeito ao subcódigo prevenção e promoção da saúde, constatou-se menções apenas em 2011, no governo Dilma Rousseff. A pauta se refere ao acesso da população aos medicamentos, com o objetivo de fortalecer as políticas de prevenção e promoção da saúde.

Ao levar em consideração o número total de menções à saúde no discurso de posse de Dilma Rousseff, foi possível calcular o percentual de atenção à promoção da saúde: 14,2%, conforme observado no Gráfico 2.

Gráfico 2
Percentual de atenção ao subcódigo prevenção e promoção da saúde nos discursos de posse dos presidentes brasileiros - 2007 a 2023.

O Gráfico 2 denota a ausência da promoção à saúde no campo argumentativo presidencial, revelando a escassez de atenção ao subcódigo nos discursos de posse, contrapondo-se às diretrizes elencadas na PNPS: “O SUS deve ter como meta a solução real do problema que atinge a pessoa que o procura com o uso de todos os instrumentos de diagnóstico e tratamento disponíveis, tornando os medicamentos acessíveis a todos, além de fortalecer as políticas de prevenção e promoção da saúde”13.

No discurso de posse de Dilma Rousseff, identificou-se a disponibilidade de medicamentos no SUS com o objetivo de fortalecer as políticas de prevenção e promoção da saúde. Logo, percebeu-se que não existe uma consonância entre o que é proposto antes da eleição e os discursos de posse dos presidentes eleitos.

Segundo Lindblom15, as ações governamentais dificilmente partem do zero, ou seja, existe uma circularidade de ideias sobre determinado tema. Entretanto, a ausência de menção ao subcódigo prevaleceu nos discursos de posse dos presidentes, corroborando a escassez de representação simbólica da promoção da saúde na agenda retórica presidencial.

Em relação às mensagens presidenciais enviadas ao Congresso Nacional, resultados apontaram a existência de pautas relacionadas ao código saúde nos diversos documentos analisados. Por outro lado, diagnosticou-se o reduzido número de pautas vinculadas ao subcódigo prevenção e promoção da saúde, conforme observado na Tabela 1.

Tabela 1
Dados brutos das menções à promoção, prevenção e saúde nas mensagens presidenciais enviadas ao Congresso Nacional - 2007 a 2023.

Michel Temer foi o presidente que menos mencionou o código saúde, 305 menções entre 2017 e 2018. Luís Inácio Lula da Silva fez 503 menções, levando-se em consideração a segunda gestão e o primeiro ano da terceira gestão. Jair Bolsonaro teve 446 menções. Dilma Rousseff apresentou o maior quantitativo, totalizando 2.103 menções. Vale ressaltar que Michel Temer teve um período menor de gestão do que os demais presidentes.

Em relação ao subcódigo prevenção e promoção da saúde, Michel Temer apresentou o menor quantitativo, cinco menções. Jair Bolsonaro apresentou 19 e Luís Inácio Lula da Silva 41. Dilma Rousseff teve o maior quantitativo, 118 menções.

Ao fazer uma análise longitudinal das mensagens ao Congresso Nacional é possível identificar que não há um padrão no quantitativo de menções à saúde e a prevenção e promoção da saúde nas mensagens presidenciais. Entretanto, Capella et al.16 afirmam que o maior percentual de atenção a determinadas políticas ocorrem no período pós-eleitoral, principalmente com a mudança de atores políticos dentro do governo.

No que se refere ao percentual de atenção ao tema nas mensagens presidenciais, foi possível observar que durante os anos analisados a atenção foi incremental ao longo do tempo, com pequenas rupturas identificadas nos anos de 2010 e 2019 (Gráfico 3).

Gráfico 3
Percentual de atenção ao subcódigo prevenção e promoção da saúde nas mensagens presidenciais enviadas ao Congresso Nacional - 2007 a 2023.

Essas rupturas podem ter ocorrido por meio da inserção de novos atores políticos, ideias e arranjos institucionais. Uma das propostas de Luís Inácio Lula da Silva foi a inserção e desenvolvimento do SUS por meio das equipes de saúde da família com base em ações de prevenção, diagnóstico e tratamento dos agravos e fatores de risco e complicações dos portadores das DCNT. Em consonância, Dilma Roussef apresentou incentivo à prática de hábitos saudáveis pela população por meio do apoio à implantação do Programa Academia da Saúde (PAS), com o objetivo de promover a realização de práticas corporais e atividade física e incentivar a alimentação adequada.

Tais dados corroboram a perspectiva de incentivo à pratica regular de atividade física e alimentação saudável preconizadas na PNPS17. O estudo de Silva et al.18 analisou as agendas políticas e governamental dos estados brasileiros, concluindo que a atenção aos programas Academia da Saúde, Academia da Cidade e Academia ao Ar Livre se apresentou de maneira embrionária, com baixo número de pautas nos planos de governo analisados. Vale destacar que a maioria das pautas elencadas concentrou-se na região Nordeste do país, com ênfase para a construção dos espaços.

Outro programa bastante explorado na agenda retórica de Dilma Rouseff foi o Programa Saúde na Escola (PSE), na perspectiva de contribuir para a formação integral dos estudantes por meio de ações de promoção, prevenção e atenção à saúde, com vistas ao enfrentamento das vulnerabilidades que comprometem o desenvolvimento de crianças e jovens. Além disso, identificaram-se menções à implantação do Modelo de Atenção Integral à Saúde da Pessoa Idosa, preconizado com a parceria com outras áreas para ações de promoção de saúde e prevenção de agravos.

O Programa Saúde na Escola visa o fortalecimento de ações de desenvolvimento integral para a comunidade escolar por meio da articulação da saúde e da educação com vistas ao enfrentamento das vulnerabilidades que comprometem o pleno desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens brasileiros19.

Entre as diretrizes do PSE, destacam-se a percepção da saúde e da educação como parte de uma formação ampla para a cidadania, a intersetorialidade das ações com vistas à atenção integral à saúde de crianças e adolescentes, bem como a ampliação da atenção dada ao tema por parte dos gestores públicos e, consequentemente, a busca pela otimização dos recursos públicos no que se refere à dinâmica política em questão19.

Os dados das mensagens orçamentárias evidenciaram a ausência de menções do ex-presidente Lula ao subcódigo prevenção e promoção da saúde. Por outro lado, observou-se atenção ao código saúde por meio de 43 menções. Dilma elencou 102 menções ao código saúde e sete ao subcódigo prevenção e promoção da saúde. No seu segundo mandato, a ex-presidente mencionou o código saúde 139 vezes e o subcódigo prevenção e promoção da saúde nove vezes. Jair Bolsonaro apresentou 37 menções ao código saúde e cinco ao subcódigo prevenção e promoção da saúde.

Em relação ao percentual de atenção ao subcódigo em questão, os dados foram apresentados por meio do Gráfico 4.

Gráfico 4
Percentual de atenção ao subcódigo prevenção e promoção da saúde nas mensagens orçamentárias - 2007 a 2023.

Apesar da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva representar uma mudança ideológica no cenário político do Brasil20, destaca-se a ausência de atenção ao subcódigo prevenção e promoção da saúde entre 2007 e 2011, período correlato à gestão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Por outro lado, o presidente com maior atenção ao subcódigo foi Jair Bolsonaro, com 13,5% de atenção nas mensagens orçamentárias no que se refere ao período de 2020 a 2023. Dilma Rousseff obteve um percentual de atenção de 6,8% no primeiro mandato, e 6,5% no segundo.

Nas mensagens orçamentárias analisadas foi possível evidenciar a baixa atenção dada ao subcódigo prevenção e promoção da saúde. De acordo com Stone21, os grupos políticos usam discursos construídos por meio de linguagens simbólicas antagônicas (direita x esquerda; capitalismo x socialismo; conservadores x progressistas) e narrativas numéricas (indicadores socioeconômicos e demográficos; relatórios de execução orçamentária, entre outros), com vistas à defesa de seus interesses e ao ataque a possíveis posicionamentos contrários.

Conclusão

Ao analisar o processo de formação da agenda para a promoção da saúde no contexto nacional com base na aplicação da teoria do equilíbrio pontuado, inaugurou-se uma nova trajetória para os estudos das políticas públicas de promoção da saúde no cenário brasileiro, considerando-se o desenvolvimento de estudos longitudinais acerca da dinâmica citada.

Diante do exposto, pode-se concluir que a ausência incremental da promoção da saúde se consolida na agenda retórica presidencial ao levar em consideração a atenção ao tema nos planos de governo, discursos de posse e mensagens presidenciais. A articulação intersetorial foi recorrente no delineamento de pautas para o setor, desde a vinculação com a área educacional até a proposta de relação com a Política de Esporte e Juventude. Nesse sentido, concluiu-se que a agenda retórica para a promoção da saúde no contexto nacional se apresenta de forma ambígua.

Torna-se necessário o desenvolvimento de novos estudos sobre o processo de formação da agenda presidencial, especialmente as agendas administrativa e legislativa da Presidência da República, no intuito de ampliar o conhecimento sobre a complexa dinâmica do planejamento governamental brasileiro.

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  • Financiamento
    Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
  • Editores-chefes:
    Maria Cecília de Souza Minayo, Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2025
  • Data do Fascículo
    Maio 2025

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2023
  • Aceito
    19 Abr 2024
  • Publicado
    21 Abr 2024
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