RESUMO
No governo Bolsonaro, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos de Damares Alves erradicou a perspectiva de gênero de sua estrutura interna e atuação, insistindo nas ideias de “mulher” e “família” como foco de trabalho. A presente pesquisa vem mapeando essa construção de uma nova gramática que disputa o próprio sentido de “direitos humanos” deslocando objetos e investindo na criação discursiva de um novo problema social (o enfraquecimento dos laços familiares), ao passo que posiciona a “família” como ferramenta na solução de problemas sociais já legitimados como tais (como a violência doméstica). Este trabalho descreve um dos fenômenos encontrados nesse estudo: a sistemática utilização de categorias do senso-comum em oposição a categorias científicas para o embasamento de políticas públicas.
PALAVRAS-CHAVE:
Ciência; Políticas públicas; Conservadorismo; Gênero; Direitos Humanos
ABSTRACT
In Bolsonaro’s government, the Ministry of Women, Family and Human Rights, lead by minister Damares Alves eradicated the gender perspective from its internal organization and actions, insisting in “women” and “family” as their focus for human rights policies. This research has been observing and mapping the construction of a new conservative human rights grammar which disputes the meaning of “human rights” by changing its objects and investing in the discursive creation of a new social problem (the supposed weakening of family ties), while positioning the “family” as a tool for solving social problems already seen as legitime (like domestic violence). This work describes one of the phenomena found in such study: the systematic use of lay knowledge categories in opposition to scientific categories as the basis for creating public policies.
KEYWORKS:
Science; Public policies; Conservatism; Gender; Human rights
Introdução
Bem-vindos ao meu Twitter oficial! [...] Essa é uma nova era! Pedófilos, consumidores de pornografia infantil, traficantes e exploradores de crianças: acabou pra vocês! Bolsonaro é presidente e Moro é Ministro da Justiça!! Nenhuma criança mais vai chorar nessa nação. Não mediremos esforços para amá-las e protegê-las! (Alves, 13 jan. 2019a; Alves, 13 jan. 2019b)
Foi com essas palavras que a primeira chefe do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves, abriu sua conta oficial no Twitter (atual X), no dia 13 de janeiro de 2019, cerca de dez dias depois de criado tal órgão, por decreto, no primeiro dia de exercício de Jair Bolsonaro como presidente (Brasil, 2 jan. 2019). Longe de representar apenas uma mudança na nomenclatura do órgão responsável pelas políticas públicas de direitos humanos no Brasil, o destaque para “mulher” e “família” no novo nome do ministério denotava uma tática discursiva na construção de políticas públicas de direitos humanos (Teixeira; Barbosa, 2022). Não por coincidência, alguns dias depois, em 22 de janeiro de 2019, a mesma ministra Damares Alves “tuitava” um trecho de um discurso do presidente: “‘Vamos defender a família e os verdadeiros direitos humanos; proteger o direito à vida e à propriedade privada e promover uma educação que prepare nossa juventude para os desafios da quarta revolução industrial, buscando, pelo conhecimento, reduzir a pobreza e a miséria’-Bolsonaro” (Alves, 22 jan. 2019e). Este artigo apresenta algumas reflexões acerca dos sentidos políticos e implicações em se tomar categorias do senso-comum como orientação para políticas públicas de direitos humanos por meio do caso das categorias “mulher” e “família” na atuação do MMFDH durante o governo de Jair Bolsonaro e, em especial, dos discursos que o órgão e sua ministra fizeram circular no Twitter entre 2019 e 2021.
Tanto “mulher” quanto “família” são categorias discursivas costumeiramente mobilizadas pelos ativistas que se dizem contrários à “ideologia de gênero” no Brasil e em outros países como forma de recusar a perspectiva teórico-política que o conceito de gênero carrega (Prearo, 2017; Fassin, 2020; Kuhar; Paternotte, 2017). Não por coincidência, são categorias que vêm do senso-comum e que também fazem parte do léxico político dos movimentos sociais aos quais se opõem, notadamente o movimento feminista e o movimento LGBT (Aguião, 2018; Bulgarelli, 2020). Num sentido ainda mais amplo, são ainda categorias que vêm sendo mobilizadas desde meados da década de 2010 em processos de instabilidade política e impeachment na América Latina, como proposta conservadora de reorientação do Estado (Szwako; Sívori, 2021). O que essa confluência significa? De que maneira diferentes grupos reivindicam essas categorias na arena política e quais os sentidos e as implicações em tomá-las como eixo na construção de políticas públicas de direitos humanos? O que esse fenômeno é capaz de nos informar sobre o lugar do conhecimento científico na gestão do Estado e, mais especificamente, na produção de políticas públicas de direitos humanos? Essas são algumas perguntas motrizes para a análise aqui apresentada. Para analisar o caso, este trabalho traz dados sistematizados durante um trabalho de campo documental e digital de inspiração etnográfica com foco no MMFDH e em sua principal figura durante o período estudado (janeiro/2019 a maio/2021), Damares Regina Alves. O campo mais amplo foi construído a partir de documentos públicos e material de redes sociais (Twitter) e canais oficiais de comunicação digital (como o YouTube). A análise proposta especificamente neste artigo traz o segmento de trabalho focado no Twitter.
A ideologia contra o gênero e um novo projeto de Estado
No contexto da criação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, as categorias “mulher” e “família” vêm sendo mobilizadas em oposição a outras categorias e conceitos - como gênero - que foram progressivamente consolidadas nas políticas públicas de direitos humanos no Brasil e no mundo nas últimas três décadas (Teixeira; Barbosa, 2022). O conceito de gênero foi colocado no epicentro do debate político brasileiro na última década (Bulgarelli, 2020), e o deslocamento da categoria “família” para uma nova posição privilegiada nas políticas públicas de direitos humanos parece fazer parte desse mesmo processo, segundo a bibliografia brasileira (Szwako, Sívori, 2021) e estrangeira (Prearo, 2017).
A resistência mais recente a essa perspectiva, expressa publicamente em especial (mas não de modo exclusivo) por grupos evangélicos neopentecostais no Brasil e por diversos grupos conservadores em todo o mundo (sobretudo por meio dos católicos), soma-se a essa história de tensões que atravessam hoje o debate sobre a produção de políticas públicas de direitos humanos. Em seu novo formato, a resistência conservadora ao conceito de gênero vem chamando a atenção de pesquisadores de diferentes países, sobretudo por sua dimensão global. Os trabalhos de Garbagnoli e Prearo (2017) e Kuhar e Paternotte (2017) sobre a Europa, por exemplo, têm mostrado que uma das particularidades desse fenômeno atual em relação a sua história pregressa é a articulação organizada na disputa internacional por projetos políticos comuns. As pesquisas de Bulgarelli (2020) e Corrêa (2018) também mostram que o movimento antigênero / da “ideologia de gênero” aparece como reação à posição legítima do conceito de gênero nas políticas públicas, uma vez que o conceito chega à maioria da população por meio delas, muitas vezes apresentado sem a complexidade e profundidade do debate teórico e político que o acompanha. Esse tipo de constatação foi mapeado por Vaggione (2005) como uma forma de “politização reativa” ligada à disputa de grupos religiosos pela prerrogativa de orientar ações do Estado na virada do século XX para o XXI.
Cabe observar, porém, que a legitimidade que foi capaz de conferir ao gênero o status de categoria central na produção de políticas públicas de direitos humanos no Brasil e no mundo (Nagamine, 2019), sobretudo na década de 2000 (com a consolidação da população LGBT como sujeito desse tipo de política), não se justifica meramente por características do próprio conceito. Um fator importante a ser considerado na compreensão da legitimação do conceito de gênero como operador de políticas públicas, mas raramente discutido na bibliografia corrente, é a relação entre conhecimento científico e Estado no contexto histórico do pós-guerra. Naquele momento houve uma mudança no modelo democrático e na produção de conhecimento científico, assim como na relação entre eles - autores como Heilbron (1995) apontam que foi nesse período que a ideia de que o Estado deveria pautar sua atuação por resultados concretos de pesquisas científicas ganhou força, sendo sustentada junto à ideia de que as ciências sociais e humanidades deveriam ter, como meta, a contribuição direta com a atua- ção estatal. O conceito de gênero, herdeiro das tensas relações entre ciência e política naquele momento histórico (Moschkovich, 2018), é um caso exemplar.
Para o caso que esta pesquisa pretende analisar, interessa observar que, se o contexto do pós-guerra era o de inserir uma certa perspectiva científica na gestão do Estado e na produção de políticas públicas, o processo histórico atual parece apontar para o movimento inverso. O caso da bem-sucedida concretização da agenda antigênero no Brasil, em especial (mas não apenas) a partir do início do governo Bolsonaro e por meio do referido ministério, parece ser também um dos primeiros episódios de implementação efetiva de uma agenda que desloca a ciência do papel de orientar a produção e gestão de políticas públicas. Essa efetivação é evidenciada pelo caso concreto da mudança ministerial e da inserção de uma abordagem específica das categorias “mulher” e “família” na arena de produção de políticas públicas de direitos humanos no Brasil hoje (Moschkovich, 2023).
Família e mulher: categorias flexíveis para ocupar o Estado
Diferente de “gênero”, as categorias “mulher” e “família” não são conceitos e não estão associadas a nenhum corpo teórico em particular. “Mulher” e “família” são vocábulos e categorias do senso-comum, utilizadas na linguagem cotidiana como evidentes, meras descrições de realidades indubitáveis e incontestáveis. No contexto dos órgãos responsáveis pelas políticas públicas de direitos humanos no Brasil, predecessores do MMFDH de Jair Bolsonaro e Damares Alves, essa tensão também se refletiu. No governo Lula, foi criada a Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), incorporada posteriormente por Dilma Rousseff ao Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Quer dizer, o uso da categoria “mulher” como balizadora de políticas públicas não é uma novidade. “Mulher” denota, afinal, uma designação de um grupo social reconhecidamente desprivilegiado, do qual o Estado precisa se ocupar com políticas específicas caso haja um projeto de redução de desigualdades em curso. Se o feminismo construiu globalmente durante um século e meio a noção de que “mulher” é uma categoria de pessoas em desvantagem na sociedade, a construção de políticas públicas “para mulheres” parece ser reflexo disso. A particularidade do uso dessa categoria pelo ministério chefiado por Damares Alves no governo Bolsonaro, portanto, está diretamente ligada à maneira como a categoria “mulher” se associa à categoria “família”.
Nesse contexto, para analisar os enunciados que o MMFDH e sua ex-ministra Damares Alves colocaram em circulação nos primeiros anos do governo Bolsonaro, a pesquisa que, numa primeira fase, se voltou à estrutura do ministério e a sua comunicação pública via YouTube (Moschkovich, 2023), se concentrou também em postagens na rede social Twitter durante o período estudado (janeiro/2019 a maio/2021). É a partir dos dados do Twitter que se delineia o que o presente artigo propõe tratar como uma “política do senso-comum”.
A política do senso-comum e o Twitter de Damares Alves e do MMFDH
Os espaços digitais de interação política, sobretudo as redes sociais, vêm sendo estudados em todo o mundo de forma sistemática como uma arena estratégica para o crescimento da extrema-direita e do conservadorismo (Cesarino, 2020; Ernst et al., 2017; Davis; Taras, 2020; Gil de Zúñiga et al., 2020). Alguns trabalhos chegam a propor relações bastante substanciais entre o crescimento da extrema-direita e a dinâmica típica de comunicação e engajamento em redes sociais. O interesse deste artigo não é, contudo, entrar na discussão aprofundada sobre as complexas relações entre o crescimento da extrema-direita e as redes sociais, mas sim de mapear, por meio de um espaço tão fundamental para a extrema-direita, os discursos que balizaram sua atuação enquanto Estado durante o governo Bolsonaro, no que tange a produção de políticas públicas de direitos humanos. Foi nesse sentido que um primeiro mapeamento da constelação de plataformas que compunham o ecossistema político do governo Bolsonaro apontou para Twitter, Instagram e YouTube como as redes de maior atividade de alcance do MMFDH e de Damares Alves no período pesquisado (janeiro/2019 a março/2021).
Embora inicialmente a pesquisa tenha proposto a possibilidade de analisar o Instagram, os limites da plataforma para extração e tratamento de dados - uma vez que se trata de imagens e vídeos - acabaram dificultando essa inclusão. Apesar de trabalhar com vídeo, uma vez que o YouTube tem legendagem automática e fácil extração de metadados dos vídeos, foi possível analisar o conteúdo ali postado (Moschkovich, 2023). No entanto, comparado com redes sociais mais dinâmicas como Twitter e Instagram, o alcance do MMFDH no YouTube era relativamente baixo, com 12.800 inscritos no canal em maio de 2021 e visualizações acumuladas (incluindo os períodos de governos anteriores) na casa dos 7 milhões (Moschkovich, 2023). No Twitter, em maio de 2022 o perfil oficial do MMFDH (@mdhbrasil, posteriormente extinto) tinha 168 mil seguidores (MMFDH, 2022) enquanto o da ministra Damares Alves (@damaresalves) tinha 1,5 milhão (Alves, 2022).
Este trabalho se concentrou, assim, nos perfis de Twitter de Damares Alves e do MMFDH, e foi realizado a partir de uma perspectiva de método mistos (Harrison; Reilly; Creswell, 2020) em que o trabalho de campo de inspiração etnográfica e a observação em larga de escala de tweets extraídos para dois bancos de dados, com produção de dados quantitativos simples, se complementam. Ambos os perfis foram visitados cotidianamente entre dezembro/2020 e junho/2021, momento em que se encerrou a fase prevista no projeto de pesquisa para coleta de dados. Essas visitas contaram com leitura extensiva e notas em caderno de campo, tanto dos tweets recentes e interações dos perfis, quanto de tweets antigos. Também foram visitados cotidianamente perfis com maiores interações ou relações institucionais com o MMFDH, como o do presidente Jair Bolsonaro ou da secretária nacional da família, Ângela Gandra. As notas de campo foram posteriormente apoiadas por prints (impressões de tela) de tweets exemplares específicos para uso no trabalho. Em paralelo, fez parte também do trabalho com diário de campo a análise do website do MMFDH, de seu conteú- do (seus programas e estrutura do ministério, informações sobre os servidores que ali trabalham, diários oficiais e legislação regulamentando seu funcionamento etc.).
Além disso, todos os tweets publicados em ambos os perfis entre 1.1.2019 e 31.3.2021 foram extraídos para dois bancos de dados separados utilizando a ferramenta Fanpage Karma, em 27.5.2021. O banco de dados com os Tweets do perfil da ex-ministra Damares Alves contém 2.863 tweets, enquanto o banco de dados com os Tweets do perfil oficial do MMFDH tem 3.212 tweets. Além do conteúdo de cada Tweet, os bancos de dados também contêm sua data de postagem e número de curtidas. A Tabela 1 descreve de maneira sucinta esses bancos de dados.
Cabe observar que o perfil de Damares Alves foi inaugurado durante o governo Bolsonaro, ou seja, ainda que houvesse outros perfis anteriores, eles não estavam disponíveis para acesso e nem seus dados foram carregados ou agregados àqueles da conta analisada pela pesquisa. No caso do perfil @mdhbrasil do MMFDH, ele foi criado em junho de 2011 como @DHumanosBrasil tendo mudado posteriormente de nome de usuário. Também importa, em termos dos métodos aqui utilizados, que destinos de links e eventuais imagens ou vídeos postados no perfil do MMFDH não estavam disponíveis para acesso durante parte da análise que gerou este artigo, uma vez que o perfil foi deletado em algum momento entre junho e setembro de 2022 e não pôde ser acessado no momento de escrita, ficando disponíveis apenas os textos dos tweets que foram extraídos para o banco de dados.
Conta institucional versus conta pessoal
Um dos motivos para analisar ambas as contas de Twitter - tanto de Damares Alves quanto a conta institucional do ministério - é a maneira como elas mostraram se confundir. Nos Tweets citados anteriormente, que inauguraram a conta @damaresalves, fica evidente a maneira como se borram os limites entre uma coisa e outra. No início da pandemia de Covid-19, por exemplo, uma interação em um dos tweets ilustra um posicionamento de conveniência em relação à diferença entre ambos os perfis. Uma imagem postada mostra a então ministra junto ao então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, claramente em momento de oração evangélica - identificável pelo gestual, em que algumas pessoas ao fundo (entre elas Ângela Gandra) estão com as mãos espalmadas viradas para a frente em direção ao “foco” das orações (o ministro). Estão acompanhados de uma criança, que realiza a oração. Todos estão de olhos fechados. O texto que acompanha a imagem diz: “Em janeiro vi este menino orar pelo Ministro @lhmandetta. [...] Hoje o Brasil inteiro está fazendo a mesma oração” (Alves, 31 mar. 2020a). Em resposta, o usuário @profcarlosfsa tuitou: “a senhora precisa se lembrar que nem todo mundo é evangélico e que vivemos em um estado laico”. Como tréplica, a conta @damaresalves observou: “Este é meu perfil pessoal. Estado laico tá no perfil do Ministério: @DHumanosBrasil. Pode acompanhar lá” (Alves, 31 mar. 2020a). A interação mostra o que pode ser uma institucionalidade de conveniência. No início do mandato como ministra, ao inaugurar sua conta @damaresalves, a ex-ministra anunciou seu “twitter oficial” apontando que outras contas de Twitter com seu nome não teriam “qualquer relação” com ela “ou com o ministério” (Alves, 13 jan. 2019a) - implicando, de maneira sutil, que haveria uma relação direta entre a conta @damaresalves e o ministério, ou no mínimo com sua figura pública como ministra; ou seja, justamente o oposto de um perfil privado de Twitter. Ao mesmo tempo, o perfil @damaresalves postou, de maneira sistemática durante o ano de 2019 e início de 2020, informações de tom oficial, como relatos sobre a agenda ministerial, reuniões e divulgação de campanhas, sem dar margem a qualquer outro assunto “pessoal” ou não relacionado ao ministério. Repetidas vezes, diante de algum fato noticiado, reagia dizendo “estou acionando o Ministério”, “já acionamos [“nós”, no caso, sendo o MMFDH] o Ministério Público”, “deixo o Ministério à disposição”, entre outras maneiras facilmente identificáveis como sendo uma postura ministerial na utilização da plataforma.
Para melhor compreender, no entanto, as formas de uso desses dois perfis, é necessário contextualizá-las comparativamente. Em artigo anterior (Moschkovich, 2023), foi observada uma mudança importante de estratégia no uso da conta institucional de YouTube do MMFDH durante o governo Bolsonaro, em relação ao uso anterior do canal, feito nas gestões de Dilma Rousseff e de Michel Temer. Uma das constatações apoiadas nesses dados foi a de que a comunicação digital via YouTube passou de ferramenta auxiliar de divulgação de serviços ou complementar em ações do ministério, gerenciada de maneira menos profissional, para instrumento central de realização de políticas públicas em si mesmas, com gerenciamento profissional. A comunicação digital no canal de YouTube do MMFDH assumiu uma centralidade importante, também pelo fato de boa parte das ações do ministério consistirem quase totalmente em ações de comunicação - como campanhas (Moschkovich, 2023). Nesse sentido, cabe para o caso de interesse deste artigo observar algumas características da maneira como o Twitter foi usado no período estudado.
Dinâmicas de postagem e institucionalidade: novas hipóteses
Na comparação da dinâmica de postagens entre ambas as contas, algumas tendências interessantes se desenham. O Gráfico 1 descreve a frequência de uso dos perfis, em número de postagens por mês, entre janeiro de 2019 e março de 2021.
A partir do Gráfico 1, em primeiro lugar, cabe observar que nos meses de janeiro e fevereiro foi sistemática a diminuição de postagens, o que pode ser explicado por períodos de férias e momentos do calendário em que comumente a vida política do país costuma ficar menos intensa. Contudo, a frequência de postagens na conta oficial do MMFDH aumentou significativamente já no início de 2020, enquanto a frequência de postagens da então ministra Damares Alves reverteu uma tendência anterior de crescimento que vinha se consolidando em 2019. Observando o conteúdo dos tweets desses períodos é possível observar que houve uma possível transferência institucional de papéis. Num primeiro momento, em 2019, a comunicação digital do ministério via Twitter parecia estar concentrada no perfil individual de Damares, o que pode ter sido interrompido com uma decisão interna do MMFDH ou do governo federal como um todo diante da pandemia em 2020 (essa é, no entanto, uma hipótese não confirmada). Caberia, para melhores observações, em investigações futuras, comparar também dados semelhantes de outras contas ligadas do governo federal e seus chefes de executivo, para verificar se houve uma mudança coordenada na estratégia de comunicação oficial do governo via redes sociais. Ao mesmo tempo, entre maio e setembro de 2020 o perfil @damaresalves reduziu suas postagens significativamente. Nesse período houve acirramento da pandemia de Covid-19 (Ritchie et al., 2020). Em paralelo, agosto de 2020 foi também quando Damares se viu envolvida em uma série de escândalos públicos pela primeira vez (vazamento de dados de uma menina que recorreu ao direito de aborto legal em São Mateus/ES e associação de sua imagem à da cantora Flordelis, envolvida em um caso de assassinato).
Número de postagens no Twitter ao longo do tempo, das contas de Damares Alves, do MMFDH e Ambas somadas - janeiro/2019 a março/2021.
Os tweets do MMFDH se tornaram mais frequentes com a explosão da pandemia de Covid-19. Já no início de 2020, alguns tweets em ambas as contas mencionavam a doença “coronavírus” se concentrando na “tragédia” [sic] na Itália e pedindo “orações” ao povo italiano. Quando a pandemia se intensificou no Brasil e começou a quarentena, os tweets do MMFDH se concentraram em divulgar serviços já existentes de denúncias de violações de direitos humanos (Disque 100) e correlatos (como o Disque 180 para denúncia de violência doméstica), deixando subentendido que apenas o contexto familiar e doméstico - e não o hospitalar, de saúde e outros - seria ponto de atenção em relação aos direitos humanos. Violações amplas de direitos humanos como falta de acesso à vacinação, desabastecimento previsível de oxigênio e atendimento nocivo em hospitais e por médicos (como nos casos dos desdobramentos do “kit Covid”) não receberam nenhuma atenção nos tuites.
Assim como as portagens no Twitter, os demais materiais (vídeos de YouTube, imagens e cards de campanha) de comunicação do MMFDH parecem zelar por um regime muito particular de atenção. Quando Foucault (2007) apontava para a antítese da “hipótese repressiva” como marco na organização de dispositivos de controle na modernidade, ele implicava em sua teoria a produção discursiva como tática de disputa. Mas é em LTI - A linguagem do terceiro Reich (Klemperer, 2009) que encontramos certo mapeamento empírico de táticas utilizadas em outros momentos históricos para montar ou desmontar sentidos coletivos sobre certos consensos. Ao discutir o uso de vocábulos particulares nos jornais nazistas durante a Segunda Guerra, Klemperer descreve não apenas que se introduzia ou se ressignificava certas palavras por meio da prática, mas que também se “gastava” certas palavras o suficiente para que seu sentido sobrevivesse apenas em fragmento na memória coletiva. Substituir conjuntos de palavras e jogar com a atenção do público como faz um ilusionista, mobilizando por meio de sensações: a tática é semelhante ao que mostram os dados sobre o uso do Twitter pelo MMFDH. Uma observação mais atenta da maneira como certos temas são abordados evidencia os sentidos, a potência e os problemas de mobilizar categorias do senso comum - notadamente aqui “mulher” e “família”, mas não apenas - como proposições políticas.
O tesauro da extrema-direita para os direitos humanos: uma nova gramática
À semelhança da análise do YouTube (Moschkovich, 2023), observamos também no conjunto de tweets dessa pesquisa a presença de algumas palavras-chave cruciais para o problema de pesquisa. As principais constatações reforçam os resultados já obtidos. Em primeiro lugar, observa-se como o termo “gênero” foi excluído das políticas públicas de direitos humanos. Entre os mais de 6 mil tweets coletados e analisados, apenas 6 (seis) continham a palavra “gênero”, sendo um deles em acepção não relacionada (da conta do MMFDH, em 27.12.2020, referindo-se às modalidades de educação domiciliar ou escolar como “gêneros” de educação que deveriam ambos estar disponíveis à escolha “dos pais”), e um segundo apenas reproduzindo em português brasileiro o título oficial da ministra senegalesa “da Mulher, de Famílias e de Gênero” (da conta de Damares, em 12.3.2019). Dentre as quatro menções restantes, todas elas utilizam a expressão “ideologia de gênero” e vêm da conta de Twitter da ex-ministra (Alves, 3 set. 2019d; Alves, 21 set. 2019c; Alves, 30 jul. 2020c; Alves, 12 set. 2020b):
Recebi ontem um alerta sobre este material com ideologia de gênero. É a segunda vez esta semana que acompanhamos a retirada desse tipo de material. Importante a participação da sociedade em qualquer assunto que coloque em risco nossas crianças. (Alves, 3 set. 2019d)
Esse tweet foi uma resposta ao então governador de São Paulo, João Dória, que relatava ter sido alertado que material escolar do 8º ano da rede estadual teria um “erro” e concluía sua postagem dizendo: “Não concordamos e nem aceitamos apologia à ideologia de gênero” (Dória, J. apud Alves, 3 set. 2019d). Teve 1.323 retweets, 480 retweets comentados e 8.478 curtidas até a data da coleta. Alguns dias depois, em 21/09/2019, uma reportagem denunciava que em evento internacional a ministra teria atacado a ONU, o feminismo e os homossexuais (Chade, 2019). Em resposta, a ministra tuitou a seguinte postagem, que teve 1.852 retweets, 202 retweets comentados e 11,5 mil curtidas até a data da coleta:
Eu ataquei homossexuais em meu discurso? Falei contra a ideologia de gênero que prega que ninguém nasce gay. Meu discurso foi postado na íntegra nas redes. Ou o tal jornalista não assistiu o vídeo e está recebendo informações sem conferir ou está agindo de má fé. (Alves, 21 set. 2019c)
No ano seguinte, em 30 de julho de 2020, o usuário @WellxCosta postou em sua conta uma mensagem à ministra sem, contudo, marcá-la ativamente na postagem: “Querida Damares, fiquei sabendo que tem um traveco aí no seu ministério promovendo pautas LGBT para crianças. Por favor veja isso!” (WellxCosta apud Alves, 30 jul. 2020c). A ministra respondeu prontamente, apesar de não ter sido marcada na postagem (ou seja, não teria sido notificada pela plataforma de que alguém estaria falando diretamente com ela; o que indica que ela precisaria ter monitorado todos os tweets contendo seu nome ou alguma palavra-chave, como “ideologia de gênero”, para ficar sabendo dessa menção): “Fique tranquilo. Ninguém aqui vai promover ideologia de gênero” (Alves, 30 jul. 2020c).
Essas interações todas foram respostas a contas de usuários, situações públicas ou factoides, nos quais a ministra fez mais reafirmar sua posição contrária a essa suposta “ideologia de gênero” do que ativamente promovê-la. No entanto, em 12 de setembro de 2020 a ministra utilizou ativamente seu histórico conhecido como militante dessa causa “contra a ideologia de gênero” para lançar uma campanha do governo federal. Em um tweet às 18:43h, ela anunciou:
Foram anos no parlamento lutando contra projetos que pretendiam legalizar a pedofilia e contra a ideologia de gênero. Agora vamos com todas as forças em defesa das crianças. Obrigada, presidente @jairbolsonaro e a todos os ministros que entraram conosco nessa briga. (Alves, 12 set. 2020b)
Logo abaixo do seu texto na postagem, constava um card de campanha que mostrava uma imagem da ministra assinando um documento, vestida em uma camisa social cor de laranja, e usando uma máscara de tecido branco sobre nariz e boca. Logo acima da ministra, na imagem, um fundo azul com letreiro em caixa alta dizia: “Governo Bolsonaro cria comissão especial para enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes”. O letreiro é branco, exceto pelo trecho “violência sexual contra crianças e adolescentes” ao qual é dado destaque sendo utilizada a cor amarela. Em outra fonte e em tamanho menor, logo ao lado da imagem da ministra, consta uma caixa de texto com os seguintes dizeres, sendo a primeira frase em negrito, com destaque: “O capitão e eu lutamos por anos contra a pedofilia. Agora, vamos ampliar as medidas de combate a esses crimes?” (Alves, 12 set. 2020b). Um fio pontilhado é puxado dessa pequena caixa de texto à imagem da ministra, indicando ao público que seria uma fala atribuída a ela.
Dois aspectos desses poucos - mas fundamentais - tweets de Damares chamam a atenção. Primeiro, a inversão perversa do gênero na construção de um discurso que trata “ideologia de gênero” como uma “violência sexual contra crianças e adolescentes” como mostra o tweet de 12.9.2020 (Alves, 12 set. 2020b). Fica implícito, pela combinação de texto e imagem, que tanto “pedofilia” quanto “ideologia de gênero” seriam exemplos do que se combate quando se combate a violência sexual contra crianças e adolescentes. A segunda constatação que esses tweets permitem, associados ao restante do trabalho de campo, é que parece ter havido um reposicionamento da tática discursiva antigênero logo no início do governo Bolsonaro. Num primeiro momento ainda se carregavam resquícios da abordagem discursiva antigênero de antes de ocuparem o Estado: falar “contra a ideologia de gênero”. Mesmo a expressão “ideologia de gênero” desaparece ao longo da atuação do MMFDH. Na conta oficial do ministério, por exemplo, ela inexiste. Essa observação condiz também com os achados de campo, que indicam uma insatisfação crescente de parte do público conservador com a ministra, o que parece ser um dos problemas gerados por sua tática discursiva. Ao optar por se apropriar de instituições, vocábulos, expressões e pautas, desgastando-os em vez de recusá-los de maneira explícita, a ministra parece ter soado a parte do bolsonarismo como “branda” demais. A crítica do usuário @ WellxCosta (Alves, 30 jul. 2020c) se refere ao fato de que a pasta de assuntos LGBT, dentro da Secretaria de Proteção Global do MMFDH, era dirigida por uma mulher trans, por exemplo.
Nesse sentido é que não apenas o termo “gênero” foi eliminado da estrutura oficial de produção de políticas públicas do governo brasileiro durante a gestão de Jair Bolsonaro e o MMFDH de Damares Alves (Moschkovich, 2023), mas igualmente a expressão “ideologia de gênero” foi reservada a contextos muito particulares de uso. Importa observar, nesse caso, que se tratou da substituição de um conceito científico (Gênero) ou algo que o evoca (a expressão “ideologia de gênero”) por um conjunto de termos, expressões e princípios que advém do senso-comum, como “mulher” ou “família”. Ou seja, a construção dessa “nova gramática” dos direitos humanos que observamos operar como política de Estado entre 2019 e 2022, passa também e especialmente pela organização de um tesauro conservador do senso-comum, que englobe os principais pontos ideológicos que se deseja disputar no entendimento do que são e devem ser políticas públicas de direitos humanos.
Podemos compreender alguns pontos cruciais desse novo tesauro conservador a partir da ocorrência de algumas palavras-chave em tweets das contas de Damares Alves e do MMFDH, conforme mostram a Tabela 2 e o Gráfico 2. Embora haja pequenas diferenças entre as palavras-chave privilegiadas em cada uma das contas analisadas, o que pode ser mais bem visualizado no gráfico, há uma tendência evidente em utilizar sistematicamente “criança”, “família”, “mulher” e “idoso” ao passo em que “LGBT”, “gênero” e sobretudo “sexualidade” parecem se extinguir.
Ocorrência de tweets contendo as palavras-chave em cada uma das contas analisadas e em ambas somadas, entre janeiro/2019 e março/2021.
De modo geral, o léxico utilizado em cada uma das contas se aproxima. Embora haja um tom mais “institucional” aparente no conjunto de vocábulos mais comuns nos tweets da conta do MMFDH, é possível observar que a comunicação sobre os problemas sociais que em tese o ministério deve tratar é feita também, assim como nos tweets da ministra Damares Alves, a partir dessas mesmas categorias do senso-comum. Nem em um conjunto de tweets e nem no outro, questões graves de direitos humanos no Brasil, como o racismo, aparecem com relevância. Ao observar o conjunto de coisas faladas, no entanto, distraímo-nos daquilo que não está (ou não está mais) sendo dito. A impressão que fica é a de que todos esses “temas” ligados a desigualdades brutais já mapeadas em nossa estrutura social, estão sendo abordados - mulheres, família, crianças, violências. A ausência de termos técnicos, conceitos e políticas concretas fica, assim, escondida. Isso ocorre tanto na estrutura do MMFDH e em seus programas, quanto na sua comunicação conforme observamos anteriormente e nos dados aqui apresentados. Ao mesmo tempo, por fim, o tesauro conservador identificado nesta pesquisa mostra uma outra faceta do lugar que essa produção discursiva ocupa na tática política em questão: o lugar de política pública em si mesma. A observação de inspiração etnográfica, assim como os dados do YouTube em análise já citada, e os tweets dos bancos de dados todos apontam para um consistente binômio de “campanha” e “denúncia” que foi tomado como ação privilegiada no MMFDH de Damares Alves. De forma complementar, junto a “campanha” e “denúncia”, temos “acordo” e “programa” (no sentido, quase sempre, de curso ou educação não escolar/não formal) como tônicas naquilo que o MMFDH classificava como “política pública de direitos humanos” no Brasil contemporâneo. Esses dados indicam possibilidades para uma nova etapa da investigação, que permita questionar a disputa prática que o MMFDH opera sobre o que é uma política pública - afinal, tuitar e produzir vídeos no YouTube divulgando um serviço de denúncia é uma política pública? E oferecer cursos de educação parental online? São questões que merecem atenção nas próximas pesquisas que visem discutir a atuação do MMFDH durante o governo de Jair Bolsonaro.
A política do senso-comum ou o senso-comum como política pública
Os dados da presente pesquisa mostram que a “família” ocupa um lugar dúbio - especialmente combinada com a categoria “mulher” - no MMFDH. Por um lado, se propõe que, para garantir os direitos das mulheres e direitos humanos, a tarefa do ministério seja oferecer a família como solução e oferecer às famílias suporte; por outro, esse suporte não seria um suporte neutro, para que as famílias se desenvolvessem e atuassem segundo seus princípios, particularidades e em sua diversidade, mas sim uma forma de controle estatal sobre que famílias seriam legítimas e como elas devem funcionar (Moschkovich, 2023). Embora esse duplo papel da categoria “família” em políticas públicas não seja invenção do atual MMFDH, esta é a primeira vez que se desloca essa abordagem oriunda da política de assistência social para o campo dos direitos humanos.
Como discutido anteriormente, tal deslocamento não pode ser dissociado do contexto das políticas antigênero e da politização reativa que desloca também a ciência e o próprio entendimento do que sejam o Estado, as “políticas públicas” ou os “direitos humanos”. Cabe refletir, nesse quadro, que ao contrário do conceito de gênero, a categoria “família” pertence à linguagem comum, que pode ser e tem sido disputada, apropriada e modificada de múltiplas maneiras ao longo da história. No escopo desta pesquisa isso importa sobretudo porque a figura da “família” tem sido usada pelo Estado no Brasil principalmente de duas maneiras: como uma forma de transferir a responsabilidade de atuação sobre algumas questões sociais para a esfera doméstica e/ou individual da vida social, mas também como um operador-mediador das ações do Estado direcionadas ao apoio a indivíduos - no campo do Serviço Social, a presença da família como sujeito de direitos e como sujeito jurídico central, em ambos os casos, tem sido delineada como um fenômeno chamado de “familismo” (Mioto; Campos; Carloto, 2015). Para além disso, a flexibilidade da “família” como categoria discursiva na esfera política não apenas parece encorajar disputas sobre seu uso, como também se apresenta como mais palatável a um público amplo, na medida em que dialoga com o senso-comum. Essa característica parece favorecer a construção e implementação de políticas públicas genéricas que comportem diversas abordagens para problemas sociais específicos sem necessariamente uma coerência entre si.
Diante disso, o uso da categoria “família” no discurso oficial do MMFDH do governo Bolsonaro parece desdobrar essa flexibilidade de duas maneiras: dando a lugar a uma elaboração discursiva que coloca a família tanto como beneficiária dessas políticas (feitas para “preservá-la” ou “defendê-la”), quanto como ferramenta de resolução dos problemas sociais que a afetam; e permitindo a produção de políticas públicas de DH baseadas no “familismo”, indicando um projeto específico de Estado. Uma das características desse projeto específico de Estado parece ser, assim, o deslocamento do lugar do conhecimento científico na construção de políticas públicas, pelo menos no caso das políticas públicas de direitos humanos e igualdade de gênero, como observado para este caso.
O que significa eliminar conceitos como “gênero” do processo de produção de políticas públicas em prol de categorias como a “família”, no que tange à própria definição de política pública? Esta é uma das perguntas que os dados de pesquisa permitiram aprofundar. Em certo sentido, a produção de discursos sobre os problemas sociais que diz combater parece ter sido o mais sólido resultado das ações do MMFDH (Moschkovich, 2023; Teixeira; Barbosa, 2022). Ao mesmo tempo, as implicações dessa construção não são pequenas. O trabalho de campo mostrou que não apenas os termos desse “tesauro” conservador são muito bem escolhidos dentro de ideias estabelecidas no senso comum, mas também que possivelmente ao mobilizar esse senso-comum como tesauro e como política pública, o MMFDH ao mesmo tempo acolhe e estabelece o próprio senso-comum como suposta solução para problemas sociais complexos. Novas pesquisas que se aprofundem na execução das políticas propostas pelo MMFDH são necessárias para elucidar até que ponto essa hipótese se confirma.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Mar 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
31 Mar 2024 -
Aceito
22 Jul 2024