Open-access Arqueologia dos Povos da Floresta

RESUMO

Na Amazônia, a espoliação territorial dos povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais tem se efetivado a partir da negação sistemática de sua presença. Contudo, na década de 1980 a Aliança dos Povos da Floresta mobiliza povos indígenas e seringueiros sindicalizados a assumir uma identidade política comum frente ao avanço da sociedade industrial. Esse movimento concebe alternativas concretas para garantir a conservação ambiental e direitos coletivos ao território. A partir de trabalhos realizados no Médio/Alto Tapajós e na Terra do Meio, Pará, propomos uma arqueologia direcionada para abarcar os múltiplos passados de grupos sociais que tradicionalmente ocupam suas terras e que possa ser instrumentalizada para contribuir como suas lutas por reconhecimento. Afinal, são os Povos da Floresta os principais protagonistas da resistência ao Antropoceno.

PALAVRAS-CHAVE:
Arqueologia; Povos da floresta; Povos indígenas; Povos e comunidades tradicionais; Ecologia histórica; Amazônia

ABSTRACT

In Amazônia, the systematic denial of the presence of indigenous, quilombola and local peoples has ensured the spoliation of their traditional territories. But in the 1980s the Alliance of Forest Peoples mobilised indigenous peoples and unionised rubber tappers to take on a common political identity in the face of encroaching industrial society. This movement will conceive concrete alternatives to guarantee environmental conservation and collective rights to territory. Working from the Tapajós and Terra do Meio regions in Pará state, we advocate for an archaeology geared to embrace the multiple pasts of social groups that traditionally occupy their lands and that can be put to the service of their struggles for recognition. After all, Forest Peoples are the main protagonists in resisting the Anthropocene.

KEYWORDS:
Archaeology; Forest peoples; Indigenous peoples; Local peoples; Historical ecology; Amazonia

Introdução

No apagar das luzes do século XX, Eduardo Neves (1999) proporia que abordássemos a arqueologia brasileira como uma forma de fazer história indígena, contribuindo com o afastamento da ideia de arqueologia como o estudo da “pré-história”, termo até então usado de forma largamente acrítica. A proposição de Neves convergia com outras de sua geração (e.g. Eremites de Oliveira, 2002; Noelli, 1993; Silva, 2000) que avançavam para construir uma conexão direta entre a arqueologia e os povos indígenas do presente. Assim, davam continuidade à fundamental proposição de José Brochado (1984), que declarou que se arqueólogos não estabelecessem relações entre tradições e estilos cerâmicos e os povos que os produziram, algo muito importante estaria sendo perdido. Ao contrário do que preconizava o paradigma então vigente na arqueologia, conexões etnográficas deveriam ser ativamente buscadas e não repelidas, defendia.

Essa concepção se encontrava em sintonia com iniciativas vindas do movimento indígena que se articulava nacionalmente e clamava pelo reconhecimento de seu protagonismo. Abordagens então prevalentes que retratavam os povos indígenas como estando em vias de extinção passam a também ser questionadas no âmbito da antropologia e da história (e.g. Cunha, 2006). John Monteiro (2001) observava que a historiografia brasileira até aquele momento tendia a desconsiderar o indígena enquanto ator histórico legítimo, ressoando a afirmação de que “De tais povos na infância não há história: há só etnografia” (Varnhagen 1877, p.22). Monteiro também notou que o maior foco dos arqueólogos ainda recaía sobre o registro relacionado ao período pré-colombiano, ou - no caso da subdisciplina conhecida como Arqueologia histórica - sobre vilas coloniais e, de forma então crescente, sobre vestígios relacionados à escravização de africanos e seus descendentes. Ao mirar em uma imagem fossilizada dos indígenas como “habitantes de um passado longínquo ou de uma floresta distante (Monteiro 2001, p.4), essas perspectivas contribuíram com a invisibilização daqueles povos que tiveram algum nível de interação com a sociedade circundante, considerados “menos indígenas”. Assim, transformações seriam equacionadas com extinção, a despeito dos processos de negociação e atuação que povos indígenas desempenharam ante o colonialismo ao longo de séculos. Para Monteiro, ao ignorar a figura do “índio colonial”, a arqueologia implicitamente contribuía para um apagamento da presença indígena após 1500.

Esse cenário tem mudado marcadamente com um aumento de pesquisas arqueológicas voltadas a explorar a persistência indígena ao longo de séculos de colonização (Noelli; Sallum, 2019). Trabalhos colaborativos ou etnoarqueológicos com comunidades indígenas (Cabral, 2014; Heckenberger et al. 2003; Machado, 2016; Silva, 2002) atrelados ao registro da história e territorialidade (Jácome, 2017), desencadearam o que tem se convencionado chamar de arqueologias indígenas (Silva, 2012), realizadas com, ou lideradas por, pesquisadores indígenas (Munduruku et al. 2021, dentre outros). Essa guinada tem levado a questionamentos de ordem epistemológica referentes a conceitos frequentemente tidos como básicos da disciplina, algo que tem sido também impulsionado pelo acesso à universidade de estudantes e pesquisadores indígenas (Jesus, 2022, Munduruku, 2019; Priprá, 2021; Wai Wai, 2017).

Por sua vez, outros povos e comunidades tradicionais permaneceram por mais tempo apenas como informantes que poderiam conduzir o arqueólogo ao passado indígena, serviriam para apontar manchas de terra preta,1 concentrações de cerâmica ou machadinhas de pedra no âmbito do que se denominava “levantamento oportunístico” (Rocha et al., 2014). Tal invisibilidade já vinha sendo apontada em outras áreas do conhecimento (Adams et al. 2008; Nugent, 1993), mas com relação a trabalhos de arqueologia ou de ecologia histórica, o panorama só se altera de forma mais significativa na década passada. Hoje existe uma série de trabalhos e metodologias que abordam as relações complexas de comunidades tradicionais com as paisagens, plantas e outros entes em seus territórios (Cassino et al., 2019; Levis et al. 2018; Machado, 2012; Santos, 2022) e com a materialidade arqueológica (Bezerra, 2013). As múltiplas dimensões da economia da borracha em relação ao capitalismo também têm sido enfocadas (Muniz, 2022). É de fato urgente reafirmar a importância de se abranger de forma explícita outros povos e comunidades tradicionais que frequentemente descendem de indígenas e africanos, mas não apenas, e que não necessariamente se autorreconhecem como indígenas ou quilombolas. Todavia, pesquisas ainda tendem a enfocar sobre povos indígenas ou sobre povos e comunidades tradicionais ou sobre comunidades quilombolas no passado e presente. Embora sejam justificáveis, tais recortes podem limitar nossa tentativa de compor histórias de longa duração dos territórios onde trabalhamos e inadvertidamente contribuir para a invisibilização de vizinhos que pertençam a outro grupo social e que compartilham das mesmas paisagens.

Os Povos da Floresta e sua resistência contra o Antropoceno

Constituída na década de 1980, a Aliança dos Povos da Floresta se apresentou como uma coalizão “essencialmente política firmada entre seringueiros e indígenas que se alinhavam, frente a inimigos comuns, numa mesma identidade política” (Guerrero et al., 2012). Conforme delineado por Aílton Krenak, eles lutavam por direitos ligados aos territórios tradicionalmente ocupados e à dignidade de seus ocupantes:

Chico Mendes, seringueiros, ribeirinhos e comunidades indígenas sonharam com uma rede de cooperação entre diferentes comunidades na Amazônia, sonho que teve impacto significativo na articulação dos índios com a sociedade brasileira e com o conjunto de questões políticas, ambientais e socioambientais, quando ainda não eram colocadas nos termos que a gente vê agora, no século XXI. Eu estou falando sobre o final da década de 1980, 1990, quando a temática ambiental ainda era vista como algo muito elitista e Chico Mendes começou a dar sentido a essa ideia, relacionando-a com a questão fundiária, com o acesso à terra, com o acesso a direitos humanos fundamentais para pessoas que viviam na condição de semiescravidão na floresta. Ele, eu e outras lideranças indígenas, começamos a Aliança dos Povos da Floresta. (Krenak in Moreira, 2022)

Na região entre os trechos encachoeirados dos rios Tapajós e Xingu, temos pensado nossa prática enquanto uma Arqueologia dos Povos da Floresta, em reconhecimento da potente aliança supracitada. A partir do entendimento que os Povos da Floresta possuem heranças muitas vezes heterogêneas, de matrizes indígena, africana e nordestina, que frequentemente se encontram sobrepostas no registro arqueológico, o que temos buscado fazer é, a partir da construção de informações arqueológicas, contribuir com o entendimento da história dos Povos da Floresta ao fornecer elementos que ajudem a demonstrar trajetórias históricas diversas, mas que têm nas formas próprias de organização social e relação estreita com os territórios pontos de convergência importantes.

A negação à história dos Povos da Floresta se constitui como um elemento central de ameaça aos territórios desses povos e aos modos de vida a eles relacionados. Uma “Amazônia contra o Antropoceno”2 só tem sido possível a partir desses territórios e modos de vida baseados na diversidade. Apoiar demandas territoriais e por outros direitos dos povos da floresta é também se posicionar do lado daqueles que nos demonstram que outras formas de habitar o mundo são possíveis.

A arqueologia se apresenta como ferramenta eficaz para evidenciar contextos históricos de povos indígenas, tradicionais e quilombolas, tendo à sua disposição meios privilegiados para investigar a história de povos ágrafos ou do que Prins (1992) denomina de “culturas compostas”, restritamente alfabetizadas. A documentação escrita que diz respeito aos povos indígenas, tradicionais e quilombolas foi e é frequentemente produzida por atores externos a esses grupos, com interesses comumente antagônicos aos deles. Em conflitos fundiários, é a documentação escrita que tradicionalmente é tida no meio jurídico como detentora de uma “verdade” objetiva, diante das lembranças e memórias coletivas transmitidas oralmente ao longo das gerações por povos tradicionais que podem, contudo, se tornar um instrumento de resistência vernacular à expropriação territorial (Torres, 2014).

Devido à sua continuada invisibilização e para melhor discutir essa proposição apresentaremos a seguir conceituações de Povos e Comunidades Tradicionais (PCT) que também resultam da luta seringueira e destacamos a gênese de um desses povos (os beiradeiros) para, então, oferecer exemplos da utilização de informações arqueológicas em contextos de disputas territoriais na Terra do Meio e Médio/Alto Tapajós, Pará.

De seringueiros a beiradeiros

Povos e comunidades tradicionais vivem no que Alfredo Wagner Berno de Almeida (2008, p.25) conceituou como “terras tradicionalmente ocupadas,3 que expressam uma diversidade de formas de existência coletiva de diferentes povos e grupos sociais em suas relações com os recursos da natureza”. Referidos inicialmente em termos legais como “populações tradicionais” (Lei n.9.985/2000), passam a ser chamados de Povos e Comunidades Tradicionais alguns anos depois. O Decreto n.6.040/20074 os define como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” e cujos territórios tradicionais abarcam “os espaços necessários a [sua] reprodução cultural, social e econômica... sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária” (Brasil, 2007, Art. 3˚).

Na Amazônia, a gênese de muitos povos e comunidades tradicionais pode ser diretamente relacionada ao avanço capitalista, seja pelas profundas transformações causadas pela expansão mercantilista através da invasão europeia, seja a partir do estabelecimento do Capitalismo Industrial, ponto de inflexão do Antropoceno segundo sua concepção inicial (Crutzen; Stoermer, 2000). A Revolução Industrial está umbilicalmente ligada à exploração do látex da seringueira (Hevea brasiliensis) que serviu para a fabricação de gaxetas para máquinas a vapor, para a produção de correias, isolamento de fios, tubos de máquinas, amortecedores e posteriormente pneus. A borracha “acompanhou o ferro e o aço onde quer que se instalassem máquinas industriais, bombas de minas e ferrovias”(Dean, 1989, p.32).

Para suprir a sempre crescente demanda pela borracha, centenas de milhares de trabalhadores foram mobilizados. A mão de obra indígena foi “uma alternativa local e transitória diante das novas oportunidades” (Cunha, 2006, p.133). Com o avançar do século XIX, um número crescente de nordestinos passa a compor o universo de pessoas dedicadas à extração do látex. Duramente explorados na extração gomífera em um sistema de servidão por dívida, os seringueiros foram usados como ponta de lança na conquista dos territórios indígenas, levando à sua fragmentação e ao avanço da sociedade nacional sobre áreas até então pouco frequentadas por não indígenas.

Transformações em escala mundial, porém, fariam que o ritmo da corrida pela borracha decrescesse repentinamente. No início do século XX, o monopólio amazônico da produção da borracha foi quebrado em razão de décadas de pesquisas e testes para ambientar a seringueira em outros locais do mundo. Sem fungos e outros concorrentes naturais amazônicos, a seringueira passa a ser plantada em fazendas, próximas umas às outras, no Sudeste Asiático. Isso fez que a produtividade e o custo da produção asiática se tornassem sensivelmente mais atrativos que a amazônica. A desgraça para o seringalista, no entanto, representou uma chance para o seringueiro submetido ao sistema de aviamento dos barracões. Como bem resume Mauro Almeida (2021, p.69-70):

Com o colapso do mercado mundial da borracha, já em 1920, a máquina extrativo-exportadora dos barracões tornou-se obsoleta. Com isso, os seringueiros tiveram que desenvolver, com base em sua experiência camponesa nordestina, mas, sobretudo aprendendo tecnologias indígenas, um modo de vida florestal que dependesse minimamente de bens importados, em que coleta e extrativismo fossem componentes. Eis a origem da economia das colocações.

No Médio/Alto Rio Tapajós5 e na Terra do Meio, os descendentes dos seringueiros se autodenominam ribeirinhos ou beiradeiros.

Os Povos da Floresta do Alto Tapajós e Terra do Meio

Evidências arqueológicas indiretas sinalizam a milenar presença indígena nessas regiões, possivelmente a partir do término do Pleistoceno (Simões, 1976). No Alto Rio Iriri, uma datação de 4 mil anos aponta para a presença humana em finais do Holoceno médio (Balée et al., 2020). A presença indígena durante o Holoceno tardio tem sido registrada em ambas as regiões, frequentemente vinculadas a sítios de terra preta (Balée et al., 2020; Honorato de Oliveira, 2015; Rocha, 2017; Perota, 1979; 1982). Devido à dificuldade de acesso e ao fato dessa região estar sob domínio espanhol até a assinatura do Tratado de Madrid, em 1750, os registros documentais de que temos conhecimento apenas são produzidos a partir de meados do século XVIII (Rocha, 2017).

Além da presença seringueira, esses registros históricos documentam a presença de povos indígenas dos quatro grandes troncos linguísticos ameríndios - Arawak, Jê, Karib e Tupi - bem como de línguas isoladas. No Alto Tapajós foram predominantes os falantes de línguas Tupi; registra-se a presença de falantes das famílias Tupi-Guarani (Apiaká, Parintintin e Kayabi), Munduruku (Munduruku) e Mawé (Sateré-Mawé).6 Na Terra do Meio vivem indígenas falantes de línguas do tronco Tupi como Xipaya e Yudjá (família linguística Juruna), Kuruaya (família linguística Munduruku), do tronco Karib como os Arara e falantes de línguas Jê como os Kayapó. Esses povos da floresta habitam atualmente Unidades de Conservação de Proteção Integral e de Uso Sustentável,7 Terras Indígenas em diversos estágios de reconhecimento, além de um Projeto de Assentamento Agroextrativista.

A ocupação da região foi fortemente influenciada pelas características dos rios que cortam a região e que têm origem no Planalto Central Brasileiro: o Rio Tapajós nasce a partir da junção dos rios Teles Pires e Juruena; a Terra do Meio está localizada no interflúvio entre o Rio Tapajós e Xingu (Mapa 1), mais especificamente na área compreendida pela margem direita do Rio Xingu, e inclui os rios Iriri, Curuá e Riozinho do Anfrísio.

Mapa 1
Territórios tradicionalmente ocupados e Unidades de Conservação Federais do Médio/Alto Tapajós e Terra do Meio mencionados no texto.

Até alcançar as proximidades da cidade de Itaituba, o Rio Tapajós se caracteriza por 99 cachoeiras, travessões e corredeiras. Sua navegação é difícil e restrita a embarcações menores, o que também pode ser dito sobre os rios da Terra do Meio. Essas características geomorfológicas contribuíram com processos de resistência que retardaram a colonização dessas regiões quando comparada com o baixo curso dos rios Tapajós e Xingu, a jusante das últimas cachoeiras e, portanto, com navegação livre de barreiras naturais. Informações arqueológicas apontam para as primeiras cachoeiras do Tapajós como fronteira cultural e de interação pelo menos a partir do século IX (Honorato de Oliveira, 2015; Rocha, 2017). No período da borracha, as cachoeiras permitiram maior controle das operações de aviamento e circulação de pessoas nos rios Tapajós e Xingu. A necessidade de estradas de varação para contornar as cachoeiras garantiu aos patrões da região “mais terras e poder que a média dos aviadores e seringalistas” (Weinstein, 1993, p.215). Alguns desses caminhos terrestres ligavam as bacias do Tapajós e Xingu em redes interfluviais de centenas de quilômetros e têm origem em rotas indígenas centenárias.

Muitas décadas após o auge da indústria da borracha, a abertura de estradas pelo regime militar voltaria a acelerar a marcha colonizadora e de espoliação de territórios dos Povos da Floresta. O avanço sobre esses territórios se deu tanto fisicamente quanto pela negação da história desses povos, inclusive por discursos preservacionistas que investiam na dissociação entre humano/natureza. Com um discurso de “integrar para não entregar”, novos caminhos por terra - as rodovias Transamazônica (BR-230) e Cuiabá-Santarém (BR-163) - que conectavam as bacias do Xingu e Tapajós, se transformam em vetores de um agressivo avanço da sociedade industrial sobre territórios tradicionalmente ocupados.

Floresta sem gente?

Em um claro esforço de apagamento dos Povos da Floresta e sua história, na década de 1970 a abertura de estradas na Amazônia era atrelada à promessa de “terra sem gente para gente sem terra”. As rodovias promoveram um aumento de grilagem de terras públicas em dimensões nunca vistas no Alto Tapajós e na Terra do Meio (Torres, 2008), o que levou à invasão de territórios tradicionalmente ocupados e perfurou permanentemente a barreira estabelecida pelas cachoeiras dos seus rios.

Para atenuar as críticas internacionais engendradas por imagens e reportagens que davam conta dos genocídios indígenas, da destruição da floresta e do avanço da “fronteira agrícola”, o regime militar decide decretar unidades de conservação de proteção integral. A primeira na Amazônia foi o Parque Nacional da Amazônia (Parna), localizado ao sul da cidade de Itaituba. Baseado no modelo do Parque Yellowstone importado dos Estados Unidos e de outros parques e reservas criadas em colônias africanas, a criação do parque implicou na expulsão violenta das comunidades que lá viviam (Torres; Figueiredo, 2005). O Plano de manejo produzido pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF, 1978) bradaria que o maior Parna do país - cujos mais de um milhão de hectares eram supostamente quase todos intocados - poderia ser explorado por turistas (ver Hymas et al., 2021). O plano de manejo inclui uma seção denominada “Valores culturais” e subtópicos sobre Arqueologia, História e Antropologia. Dois trabalhos são citados na área da Arqueologia: Evans (1964) e Simões (1976). A menção a esses trabalhos não é, contudo, vista como contraditória à narrativa de que “um Parque Nacional representa o que de melhor existe de natural dentro de um país, digno de ser conservado e preservado permanentemente” (IBDF, 1978, p.1). Essas citações sugerem que pesquisas arqueológicas então sendo realizadas circulavam em meios estatais e foram mobilizadas politicamente para negar a presença humana no presente.

Alguns anos depois uma porção do Parna seria desafetada para viabilizar a mineração de calcário, escancarando o descompromisso com a proteção ambiental. Forçados a se deslocar para Itaituba, ribeirinhos morreriam de tristeza, sem conseguir se adaptar à nova condição de pobre urbano (Torres; Figueiredo, 2005). Quando muito, mulheres foram “compensadas” pela perda de seu território com uma máquina de costura.

Na década de 1980, alternativas a essa abordagem preservacionista seriam oferecidas pelos próprios Povos da Floresta. Em reação a processos de esbulho de seus territórios, seringueiros sindicalizados no Acre iniciaram uma luta que culminaria na criação das Reservas Extrativistas (Resex).8 As Resex são organizadas a partir do uso coletivo da terra e da ausência do patrão como forma de proteção contra pressões externas e manutenção de um modo de vida centenário. O movimento seringueiro acreano que deu origem à ideia de Reserva Extrativista “defendia o fim dos seringais,9 com a conservação do modo de vida associado às colocações10 (Almeida, 2021, p.68), apontando para um jogo político explícito articulado a partir de transformações e persistência históricas.

Na primeira década dos anos 2000, em contexto de reação e organização social contra a grilagem e atividades de extração predatória de madeira e acelerado como forma de resposta ao assassinato da irmã Dorothy Stang (Silva, 2009, p.69), na Terra do Meio foram criadas as Resex Riozinho do Anfrísio, Rio Iriri e Rio Xingu. As Resex representaram uma grande vitória para os beiradeiros desses territórios. Também foram decretados um novo Parna - da Serra do Pardo, e uma Estação Ecológica (Esec) Terra do Meio, sendo portanto instaladas modalidades de UC que coíbem a ocupação humana em locais historicamente ocupados por seringueiros e seus descendentes beiradeiros. A Esec Terra do Meio, estabelecida em 2005, pressionou os beiradeiros que lá viviam a deixar os locais onde tradicionalmente habitavam, levando muitos a abandonarem seu território. Essa destituição ocorreu muitas vezes pela restrição de práticas de subsistência tradicionais: segundo afirmações dos beiradeiros que nela vivem, agentes do Estado afirmavam que a saída dos moradores da Esec não aconteceria pela força, mas pela fome, indicando um endurecimento das restrições às atividades cotidianas (Guerrero, 2020, p.98).

Ainda no início desse milênio, no Médio/Alto Tapajós, a imagem da floresta intocada seria reciclada por governos petistas para validar projetos hidrelétricos. As mesmas cachoeiras que, ao retardar o ritmo colonizador, contribuíram na luta contracolonial dos séculos anteriores, passam a atrair construtores de barragens em um projeto articulado pelo Estado e por uma série de atores privados. Propagandas da TV PAC, falas do então presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e ONG ambientalistas inicialmente avançaram o discurso de que a construção de algumas barragens previstas pelo Complexo Hidrelétrico Tapajós11 poderia ser ambientalmente responsável e omitiram a presença de povos indígenas e comunidades tradicionais no entorno das barragens de São Luiz do Tapajós e Jatobá. Segundo o governo, a construção se daria da mesma forma que plataformas de petróleo em alto mar, ou seja, “em áreas onde o homem não está presente” (PAC, 2012). Em um evidente esforço de apagamento da presença e história beiradeira e Munduruku, o projeto hidrelétrico retardou o reconhecimento, por parte do Estado, de territórios indígenas e tradicionais: a reivindicação dos beiradeiros de Montanha e Mangabal pela criação de uma Resex seria negada12 e a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação (RCID) da Terra Indígena Sawre Muybu, primeira etapa do processo demarcatório, ocorreria apenas com a previsão do impeachment de Dilma Rousseff em 2016.13

A seguir apresentaremos as pesquisas arqueológicas que contribuíram com a resistência dos Povos da Floresta nesses contextos.

A luta beiradeira e Munduruku pelo reconhecimento de suas histórias e territórios

No Tapajós, os trabalhos arqueológicos com os beiradeiros de Montanha e Mangabal e com os Munduruku do Médio Tapajós foram conduzidos, a partir de 2010, em contextos de ameaças territoriais representadas principalmente pela grilagem e à sombra do Complexo Hidrelétrico do Tapajós (Rocha; Honorato, 2021).

Em Mangabal, os beiradeiros comemoravam a então recente - e histórica - vitória judicial contra uma empresa do Paraná que havia grilado mais de um milhão de hectares de terras, ameaçando-os e retratando-os perante a justiça como invasores. Uma recente decisão liminar em favor dos beiradeiros foi a primeira no país a proibir a entrada no território sem autorização de uma comunidade tradicional não indígena e não quilombola, colocando em suspenso um instrumento até então impetrável denominado Registro Torrens (Torres, 2008). Para atingir esse resultado, a memória coletiva tinha sido empregada como instrumento de “resistência vernacular e fonte alternativa a uma ideologia hegemônica estabelecida por um aparato político e cultural” (Torres, 2014). Elementos da materialidade beiradeira e seringueira e documentos antigos também embasaram o processo (ibidem). Porém, diante da ameaça do Complexo Hidrelétrico Tapajós e da recusa do governo em criar a Resex dos beiradeiros de Montanha e Mangabal, as comemorações pouco duraram.

Os trabalhos arqueológicos envolveram prospecção direcionada pelo conhecimento beiradeiro, escavação de sítios arqueológicos e mapeamento de lugares significativos. Datações radiocarbônicas realizadas a partir de material escavado no sítio Terra Preta do Mangabal, território beiradeio atualmente, apontam para uma primeira janela de ocupação entre os séculos VII e IX; a presença de mangueiras14 bem desenvolvidas e de louças e vidros localizados tanto na parte alta e plana do sítio quanto na laje granítica que o conecta com a margem do rio indicam ainda que este local teria sido ocupado por seringueiros entre os séculos XIX e XX (Rocha, 2017).

Amostras da cerâmica arqueológica escavada no sitio Terra Preta do Mangabal e com datações em torno do século VIII apresentaram um motivo losangular frequentemente observadas nas tatuagens que eram tradicionalmente portadas pelos Munduruku e que foram amplamente registradas no século XIX (Agassiz, 1869; Florence, 2007; Barbosa Rodrigues, 1875; Spix; Martius, 1981) (Figura 1). O aquarelista francês Hércule Florence, membro da Expedição Langsdorff do Império Russo, observaria esse tipo de grafismo munduruku:

Nessa viagem pode o homem curioso ou de ciência observar mudanças notáveis nos ornamentos cerâmicos de que usam os indígenas. Os dos apiacás são constantemente feitos em ângulo reto; em losangos os dos mundurucus, ao passo que em outros lugares são irregulares no desenho, embora sempre de mais ou menos gosto. Aparecem nos potes, vasilhas e tubos de cachimbo.15

As informações arqueológicas, históricas e orais apontam para uma persistência de cerca de 1.300 anos desse padrão gráfico.

Figura 1
Esquerda - Cerâmica com incisões losangulares escavada do sítio Terra Preta do Mangabal que se assemelham às antigas tatuagens portadas pelo povo Munduruku. Direita, “Femme et enfant Mandurucús. Aux bas-fonds appelé Tiacoron en la Riviere Tapajós, Juin 1828”.

Do outro lado do rio, na aldeia Sawre Muybu, os vestígios arqueológicos escavados se relacionam a uma só ocupação, com três datas radiocarbônicas entre os séculos IX e XI d.C. Nossa interpretação, a partir de análises de artefatos líticos e cerâmicos, é de que esses materiais se associam com povos Tupi que mantinham alguma forma de contato com falantes de línguas Karib, de quem importavam materiais incluindo vasilhas cerâmicas (Rocha 2017) e para quem poderiam exportar matérias primas líticas como sílex (Honorato de Oliveira 2015). Essas vasilhas serviram como inspiração para a fabricação de cerâmicas “híbridas”, que têm outra tecnologia e forma, mas que contêm uma “assinatura” estilística em comum com os itens importados. Essas cerâmicas híbridas podem por sua vez indicar processos de etnogênese em andamento (Rocha 2017). Dados linguísticos compilados por Rodrigues (1985) também apontam para relações históricas entre falantes de línguas Tupi (incluindo a língua Munduruku) e Karib a partir de uma análise de diferentes tipos de cognatos ligados a domínios diversos. Inclui-se cognatos para “tigela”, “pote”, “cabaça”, e “frasco de cabaça” (ibidem).

Sawre Muybu é também um interessante exemplo da importância de lugares históricos nas escolhas locacionais atuais. O cacique Juarez Saw Munduruku detalhou como os Munduruku tradicionalmente selecionam locais para novas aldeias, ressaltando a importância da abundância: “Não vamos escolher um lugar onde vamos passar fome ... Conhecemos a terra, a terra preta... [onde] tudo que a gente planta nasce”.16 Juarez indicou uma árvore chamada cutite (Pouteria macrophylla) que, segundo ele, é um indicador da presença de katô (terra preta), dando um exemplo de leitura da paisagem. Pelo menos desde o século XIX, a ocupação de áreas de terra preta compõe uma estratégia de ocupação tradicional Munduruku (Hartt, 1885; Frikel, 1959; Hilbert, 1957; Melo; Villanueva, 2008) que pode ter viabilizado a rápida expansão do povo Munduruku em direção ao Baixo Tapajós, conforme hipotetizado por Francisco Noelli (comunicação pessoal, 10 de dezembro 2013) (Rocha, 2017).

Ambientes que são abundantes providenciam uma infraestrutura melhor para o desenvolvimento da vida. Na Amazônia, tais ambientes frequentemente foram enriquecidos por sociedades pretéritas e continuam sendo transformados por povos indígenas e tradicionais. Em muitos desses lugares, histórias beiradeiras e indígenas se encontram, tanto pela busca por solos enriquecidos e concentrações de espécies vegetais úteis resultantes de processos longos de ocupação quanto por um conhecimento técnico e da paisagem que permite uma vida de abundância ali. Os beiradeiros da Terra do Meio reconhecem essa historicidade ao nomear a TPA como terra de maloca, a terra de morada antiga.

Ao longo dos últimos 150 anos, os seringueiros e seus descendentes beiradeiros aprenderam a viver na floresta e se engajaram em uma série de relações com seus vizinhos indígenas - desde relações belicosas,17 levando à incorporação de mulheres e crianças indígenas nesta nova sociedade que se formava, a relações de trocas, de compadrio e, por fim, de uma aliança política (Loures, 2017). Atualmente os beiradeiros de Montanha e Mangabal não são vistos pelos seus vizinhos Munduruku como outros ‘brancos’, denominados pariwat,18 mas sim como wuyḡuybuḡun -

Tem pariwat que são, que vive como índio, mas não são indígenas. Chico Caititu não é pariwat, é considerado wuyḡuybuḡun, ele vive como índio, ele vive da floresta, ele vive da pesca, ele vive da caça, vive da roça e sabe a importância da natureza, do rio, dos animais. Mas ele não tem uma cultura que é igualmente um Munduruku, não se pinta..., histórias eles têm. Então nós temos umas histórias e, se eles preservam, nós também preservamos. Então wuyḡuybuḡun eles são como nós, mas não são um grupo indígena. (Jairo Saw apud Loures, 2017, p.236-7)

Essa aliança entre beiradeiros e Mundurukus foi fundamental para garantir a autodemarcação da Terra Indígena (TI) Sawre Muybu e do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Montanha e Mangabal, ações diretas fundamentais para pressionar o Estado a reconhecer esses territórios. Durante o longo, e ainda não encerrado, processo de reconhecimento da TI Sawre Muybu, a memória de anciãos beiradeiros, em conjunto com diversas outras linhas de evidência, contribuiu para respostas às contestações ao seu reconhecimento pelo Estado.

Entre as bases de argumentação dos pedidos de impugnação da TI Sawre Muybu, a alegação de que a ocupação Munduruku na região não era de caráter tradicional foi frequente. Argumentava-se que a ocupação Munduruku não teria ocorrido na área ou que teria se iniciado após 1988, recorrendo à tese do “marco temporal”, a despeito das informações históricas e arqueológicas que apontam para uma segura presença Munduruku no século XIX, e possivelmente milenar. Parte do laudo técnico que analisou as contestações ao relatório de identificação e delimitação da TI Sawre Muybu foi subsidiado por essas informações arqueológicas (Torres et al., 2016), que também contribuiriam para o embasamento da recomendação do Ministério Público Federal para que o licenciamento (e, portanto, a construção) da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós fosse cancelado19 (Rocha; Honorato, 2021). Essas pesquisas também foram citadas pelos RCID de Sawre Muybu e Sawre Bap’im.

Beiradeiros em Unidade de Conservação de Proteção Integral

O caso da Terra do Meio a ser apresentado se deu no contexto fundiário descrito anteriormente. Após recebimento de reivindicações dos beiradeiros que tiveram seu território sobreposto pela Estação Ecológica e de uma visita in loco da procuradora do Ministério Público Federal, Thais Santi Cardoso da Silva, foi constituída uma equipe multidisciplinar para produção de laudo pericial que avaliasse os possíveis impactos que a ocupação humana na Unidade de Conservação poderia ocasionar. O laudo pericial (Almeida et al., 2018) almejava responder dez quesitos elencados pela procuradoria federal, que pudessem elucidar a tradicionalidade da ocupação e a compatibilidade desta ocupação com os objetivos dessa categoria de Unidade de Conservação.

Para responder parte das questões colocadas pelo MPF, o trabalho arqueológico desenvolveu-se a partir de premissas da ecologia histórica, integrando de forma estreita metodologias de mapeamento e escavação arqueológica, inventários florestais, freelists de árvores, pesquisas sobre fauna e observação participante (Balée et al., 2020). O local escolhido para a primeira amostragem, conhecido como Grota do Cachorro, apresentava TPA e fragmentos de cerâmica arqueológica que haviam sido observados por Mauro Almeida e William Balée durante visita prévia. Além disso, a Grota do Cachorro é uma área de uso da família do beiradeiro José Alves Gomes da Silva, mais conhecido como Zé Boi.

A mancha de TPA é parcialmente circundada pelo início do pique20 de castanha (Bertholletia excelsa) da família de Zé Boi (Mapa 2). A delimitação do espaço de habitação do sítio arqueológico marcado pela presença de artefatos arqueológicos e/ou TPA apontou para uma relação positiva entre o pique de castanha, as castanheiras em si e o local habitacional do passado. A maior concentração de castanheiras está localizada em área contígua à mancha de TPA, podendo indicar que além da formação do castanhal estar relacionada com a ocupação evidenciada arqueologicamente, o próprio pique pode ter sido gerado em períodos muito recuados. A ausência de castanheiras na área de TPA aponta ainda para uma ocupação que pode ter se estendido até recentemente, mesmo que de maneira descontínua, já que castanheiras jovens (plântulas, varetas) tendem a desenvolver-se mais rapidamente em áreas abertas (Scoles; Gribel, 2021), fato que não ocorreu no espaço de moradia onde desenvolveu-se a TPA.

Mapa 2
Pique de castanha e sítio arqueológico Grota do Cachorro e sua relação com o castanhal da família de Zé Boi.

A localização das castanheiras apenas a partir das margens da área de habitação do sítio arqueológico pode ainda indicar que tiveram seu crescimento privilegiado ali, apontando para uma possível prática de manejo, favorecimento e/ou plantio tão antigas quanto a ocupação do sítio durante o período de formação da TPA, ou até mais recuado.

Datações obtidas na Grota do Cachorro indicam para uma ocupação relacionada à TPA entre os séculos XV e XVII. O cerne de uma castanheira caída próxima ao sítio arqueológico foi datado entre os séculos XVII e XVIII, sugerindo uma correlação entre o castanhal e a ocupação anterior à chegada dos seringueiros e que, no limite das margens de erro das datações, pode ter sido coeva com a ocupação indígena que gerou a TPA (Balée et al., 2020).

O manejo do castanhal é praticado intensamente pelos beiradeiros através da limpeza do pique, da remoção de cipós que sobem pelas castanheiras e pelo favorecimento de plântulas e castanheiras jovens a partir da eliminação de outras espécies concorrentes próximas. Um importante estudo comparativo entre castanhais localizados em áreas de proteção integral (sem previsão de ocupação humana) e locais manejados demonstrou como castanhais onde a presença humana é vedada possuem idade média mais avançada e menor taxa de regeneração, enquanto aqueles em áreas manejadas apresentam maior quantidade castanheiras jovens, plântulas e varetas (Scoles; Gribel, 2011).

Como resultado de quase uma década de demandas por parte dos beiradeiros e, posteriormente do MPF, cientistas e organizações da sociedade civil, no final de 2018 foi assinado um termo de compromisso que reconheceu a presença beiradeira em seus territórios (Guerrero, 2020, p.111). Embora termos de compromisso sejam instrumentos provisórios com garantias limitadas, a inserção de uma pesquisa arqueológica associada a outras disciplinas científicas e ao conhecimento tradicional mostrou-se bastante profícua, abrindo caminho para outras atividades na região, dessa vez menos ligadas a conflitos, embora eles ainda perdurem, e mais associadas a projetos de futuro.

Considerações finais

O Antropoceno, entendido a partir do mercantilismo e colonialismo ou da emergência do Capitalismo Industrial, tem sido possibilitado pela espoliação de territórios tradicionalmente ocupados, transformados em locais de extração de matérias-primas e força de trabalho. Portanto, as resistências contra-coloniais21 dos Povos da Floresta, através da defesa de seus territórios e modos de vida, são exemplos de uma “Amazônia contra o Antropoceno”. Esses territórios são espaços de pluralidade social, onde a relação humanos e ambiente desenvolve-se de maneiras diversas da abordagem predatória e de maximização científica da produção; a presença humana na floresta não necessariamente implica degradação ambiental (Balée, 2006).

Atualmente, na Terra do Meio e Tapajós, além de outros locais da Amazônia, as ameaças aos territórios tradicionais podem ser percebidas pela abertura de rodovias, construção de barragens, criação de unidades de conservação de proteção integral sobre territórios tradicionais, grilagem, exploração ilegal de madeira e várias outras frentes estatais e privadas, via de regra sem consulta apropriada àqueles que serão primeiramente impactados. Atualmente, o plano de construir uma ferrovia conhecida como “Ferrogrão” se apresenta como nova ameaça a esses territórios. O discurso oficial que cerca a construção da EF-170 novamente se reveste de sua suposta sustentabilidade como argumento, ignorando projeções do impulsionamento da grilagem ao longo do seu pretendido traçado.

Os exemplos da Terra do Meio e Tapajós mostraram que a negação da história dos povos da floresta é um dos pilares da espoliação territorial. Isso pôde ser observado através da criação de espaços de preservação ambiental que expulsou moradores tradicionais e da oposição do Estado e entes privados ao direito que os povos indígenas22 e beiradeiros têm ao seu território. O apagamento da história se dá tanto pela recusa a reconhecer a presença propriamente dita quanto pela negação dos processos que transformaram esses povos ao longo dos séculos. Como as contribuições deste dossiê apontam, muitas vezes a própria constituição da floresta, é evidência da ocupação e agência humana milenar e de outras maneiras de habitar o mundo. Não se admite o direito à mudança e, tampouco, se reconhece persistências históricas. Incluir os povos e comunidades tradicionais entre os atores históricos a serem abordados arqueologicamente contribui com o entendimento de trajetórias distintas, mas com muitos pontos de encontro e pode fortalecer alianças de vizinhos históricos que, como a Aliança dos Povos da Floresta, mostram que há outras formas de viver e se organizar no mundo. A concepção de Resex representa um importante exemplo contracolonial, de contraposição ao ímpeto colonizador da sociedade nacional que se constrói através da homogeneização dos saberes, do discurso e da história, pelo estabelecimento de uma “monocultura da mente” (Shiva, 2002).

Por fim, a arqueologia, ao trazer entendimento histórico a partir dos vestígios materiais, apresenta-se como uma poderosa ferramenta para contar a história de povos ágrafos, restritamente alfabetizadas ou que tiveram sua história escrita sempre a partir de documentos produzidos por pessoas externas. Como apresentado nos exemplos do Médio/Alto Tapajós e Terra do Meio, essas histórias podem contribuir diretamente na defesa e luta pelos territórios tradicionalmente ocupados.

Agradecimentos

Agradecemos a Claide Moraes e Miguel Aparício pelo convite para participar deste dossiê, pela paciência e sugestões, bem como ao revisor anônimo pelas críticas, que esperamos ter conseguido atender. Agradecemos à Capes (Bolsa Doutorado Pleno no Exterior); EDF, ISA e Darwin Initiative viabilizaram atividades de campo; Associação das Comunidades de Montanha e Mangabal, Associação Munduruku Pariri, comunidade da aldeia Sawre Muybu e beiradeiros de Mangabal e das Resex Rio Iriri, Riozinho do Anfrísio e Rio Xingu, Esec Terra do Meio nos receberam, ensinaram e autorizaram os trabalhos, amparados também pela Ufopa.

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Notas

  • 1
    Doravante referida como TPA (Terra Preta Antropogênica).
  • 2
    Cronologicamente, consideraremos a expansão mercantilista europeia e Revolução Industrial como os marcos temporais do Antropoceno (Crutzen; Stoermer, 2000; Lewis; Maslin, 2015), portanto os mesmos marcos do Capitalismo Mercantil e Capitalismo Industrial. O termo “Antropoceno” será utilizado no texto de maneira heurística a partir do reconhecimento do poder político que uma proposição de era geológica baseada nos efeitos da ação humana pode ter. No primeiro semestre do ano presente, todavia, a International Commission on Stratigraphy (ICS) não reconheceu os marcadores geoestratigráficos que definiriam o início do Antropoceno.
  • 3
    Aqui cabem comunidades indígenas e quilombolas.
  • 4
    Ou seja, quase duas décadas após a Constituição Federal que reconhece direitos originários e históricos dos povos indígenas e quilombolas, respectivamente.
  • 5
    Doravante referido como Alto Tapajós.
  • 6
    Se considerarmos a hipótese de Rodrigues e Cabral sobre os caminhos de expansão dos povos Tupi, é razoável supor ainda que falantes da família Juruna possam ter atravessado o Tapajós em direção à bacia do Rio Xingu, onde atualmente vivem.
  • 7
    Unidades de Conservação de “uso sustentável” são aquelas que preveem a presença humana com uso dos recursos ambientais, enquanto as de “proteção integral” vedam a ocupação humana para a “manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana” (Lei n.9.985/2000).
  • 8
    Hoje uma categoria de Unidade de Conservação de Uso Sustentável, as Reservas Extrativistas foram inicialmente concebidas pelos seringueiros como parte da reforma agrária.
  • 9
    Para além de representar a ideia de uma concentração de seringueiras, “o seringal era uma organização territorial e social apoiada no trabalho de seringueiros que gerava lucros para uma classe de patrões” (Almeida 2021, p.90).
  • 10
    Colocação é “uma unidade de manejo, uma forma de organização social e o lugar de uma cultura que os seringueiros criaram durante aqueles ‘cem anos de solidão’ em que foram esquecidos pelo mesmo capitalismo que os trouxe para cá sem passagem de volta” (Almeida, 2021, p.71). “Hoje chamadas de comunidades, as colocações são as unidades de uso da floresta por grupos domésticos, articuladas internamente e entre si por relações de vizinhança, cooperação, trocas e mobilização política” (ibidem, p.66).
  • 11
    Embora se destacasse o chamado Complexo Tapajós que incluía três megabarragens no Tapajós e quatro no Rio Jamanxim, os planos abrangiam toda a bacia, para qual se previa a instalação de 43 barragens hidrelétricas.
  • 12
    A então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, emitiu orientação contrária à criação da Resex sob o argumento que uma Unidade de Conservação poderia interferir na construção das barragens. O presidente Lula acatou o parecer. Nota técnica publicada pelo Departamento de Planejamento Energético, 5/122007, anexo à Recomendação n.260 - Casa Civil, 16.4.2008.
  • 13
    Em 2014 a então presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) admitiu a representantes do povo Munduruku que havia sido pressionada para não assinar o RCID da TI Sawre Muybu: Disponível em: <https://autodemarcacaonotapajos.wordpress.com/2014/11/26/funai-admite-pressao-e-condiciona-demarcacao-de-ti-a-hidreletrica/>. Acesso em: 23 abr. 2024.
  • 14
    Mangifera indica, espécie exótica, nativa do Sudeste Asiático.
  • 15
    Parece-nos ser esse um caso de transposição de motivos gráficos para diferentes suportes, incluindo o corpo humano, prática esta observada entre povos Tupi-Guarani (F. Almeida, 2008; Müller, 1990) e entre povos de língua Pano (cf. DeBoer, 1991).
  • 16
    Entrevista concedida em 13.3.2014.
  • 17
    Ataques de indígenas Kayapó ainda são lembrados pelos anciãos beiradeiros, muitos dos quais nasceram na margem direita do rio, mas que acabaram migrando para ilhas no meio do rio ou para a margem direita.
  • 18
    Na língua Munduruku a denominação pariwat significa o outro, estrangeiro (Hilbert, 1957), não Munduruku, não indígena, ou inimigo (Loures, 2017).
  • 19
    Disponível em: <https://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/mpf-recomenda-ao-ibama-que-cancele-o-licenciamento-da-usina-de-sao-luiz-do-tapajos>. Acesso em: 23 abr. 2024.
  • 20
    “Pique” significa “estrada” ou “picada” que liga as castanheiras de um castanhal.
  • 21
    Como define Antônio Bispo dos Santos (2015, p.48) “vamos compreender por contra colonização todos os processos de resistência e luta em defesa dos territórios dos povos contra colonizadores, os símbolos, as significações e os modos de vida praticados nesses territórios”.
  • 22
    No caso do reconhecimento ao território indígena, trata-se de direito congênito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2023
  • Aceito
    30 Abr 2024
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