RESUMO
Após uma introdução sobre a importância do voto no nível municipal para habitantes que vivem numa democracia, enfocamos as eleições municipais e passamos a discutir um perfil para o “eleitor ideal”, que é aquele que investiga as candidaturas de forma multifacetada e não somente por um único critério. Colocamos 10 pontos que podem ser usados como guia para que o eleitor avalie candidaturas e sugerimos uma forma de comparar candidatos usando um ranqueamento numérico (notas de zero a dez) com a média sendo um critério para avaliar os candidatos que merecem votos. Em seguida, descrevemos um perfil para o que seriam os “candidatos ideais” para os cargos executivo e legislativo nas cidades. Ancorados em trabalho que realizamos na USP no âmbito do Instituto de Estudos Avançados e do Programa Eixos Temáticos da USP, descrevemos sete pontos que consideramos essenciais para quaisquer candidaturas em cidades brasileiras. Um dos argumentos principais é que, para que a democracia funcione, o eleitor precisa se ocupar com análises mais profundas dos candidatos, evitando que eles sejam eleitos por um processo que, em muitos casos, é quase aleatório.
PALAVRAS-CHAVE:
Eleições; Candidatos; Eleitor; Avaliação; Democracia
ABSTRACT
After an introduction about the importance of voting at the municipal level for inhabitants living in a democracy and focusing on municipal elections in Brazil, we begin to discuss a profile for the “ideal voter,” who should investigate candidacies in a multifaceted way and not just based on a single criterion. We put forward 10 points that can be used as a guide for voters to help evaluate candidacies. We suggest a way to compare candidates using a numerical ranking (scores from zero to ten), with the average being the criterion to find the best candidates. Next, we describe a profile of the “ideal candidates” for executive and legislative positions in cities. Anchored in work performed by the University of São Paulo within the scope of the Institute of Advanced Studies and the USP Thematic Axes Program, we describe seven essential points for public policy applications in Brazilian cities. One of the main arguments is that, for democracy to work, voters need to engage in deeper analyses of candidates, preventing them from being elected through a process that, in many cases, is almost random.
KEYWORDS:
Elections; Candidates; Voter; Evaluation; Democracy
Introdução
O brasil é atualmente o país com o maior índice de urbanização no mundo, com 89,2%, segundo o sítio “Our World in Data”.1 Isso significa que, apesar de termos uma força grande no agronegócio, é nas cidades que praticamente toda a nossa população vive. A busca por viver nas cidades está relacionada aos serviços que elas provêm, já que existe uma relação alométrica2 entre o tamanho da cidade e a quantidade de serviços que oferece. Segundo Geoffrey West (2017), em seu livro Scale (Escala, em português), cada vez que uma cidade dobra de tamanho, serviços como escolas, hospitais, delegacias e outros aumentam em 15%. Por outro lado, desserviços como problemas de segurança e poluição aumentam 15%. Mesmo assim, as cidades atraem as pessoas e prova disso é o aumento significativo que a urbanização está tendo no mundo. Hoje o planeta está em cerca de 56%, e acredita-se que até 2050 todos os países já estarão acima de 50%. Os números do Brasil, que já estão acima de 80%, sugerem que já chegamos ou estamos bem perto da saturação (ponto em que não aumentará mais).
A mensagem principal que os números acima nos trazem é que a gestão urbana é (ou será em breve) o elemento mais importante em vários países, especialmente aqueles que apresentam grau de urbanização mais alto, como Estados Unidos, Canadá e México, além do Brasil. Se olharmos por região, o nível de urbanização está entre 74% e 92%. A Europa já está muito próxima de 80%; enquanto na Ásia, a região mais urbanizada do mundo, o valor já passa de 92%.
Sendo a gestão urbana um tema central no mundo e especialmente no Brasil, pelo menos até 2050, o ponto focal deveriam ser as eleições para prefeitos e vereadores para qualquer população de um país democrático que deseje receber serviços de qualidade.
A mensagem é, portanto, que: num regime democrático, como o que vigora no Brasil, votar e ser votado é aparentemente a ação mais importante no que concerne à determinação do futuro da sociedade.
Com mais de 5.500 municípios, o Brasil apresenta um sistema de altíssima complexidade, já que essas cidades se espraiam por regiões com características muito distintas, levando à necessidades que podem ser radicalmente diferentes. Há cidades pequenas e ainda “imaturas” no sentido de uma gestão urbana eficiente. Cidades essas que ainda necessitam adquirir identidade para que possam caminhar em uma direção definida e planejada. Há cidades médias, que têm identidade mais clara e em muitos casos sabem para qual caminho desejam traçar. No Brasil, muitas das cidades médias já se tornaram bons exemplos de gestão urbana e outras estão no caminho. Muitas têm boa infraestrutura, obtida ao longo de anos de políticas públicas equilibradas e bem executadas por seus gestores. Já as megacidades brasileiras, especialmente as duas maiores: São Paulo e Rio de Janeiro, se comportam como um mosaico de cidades médias interligadas que são circundadas por outras cidades, formando conurbações para as quais usamos o prefixo de Grande (Grande São Paulo e Grande Rio). Usando o exemplo de São Paulo, a cidade em si é dividida em regiões administrativas chamadas de subprefeituras que são responsáveis pela coordenação de serviços locais, zeladoria urbana e outras ações naquela região. Os subprefeitos em São Paulo são indicados pelo prefeito eleito, de forma que o voto do cidadão tem impacto direto sobre como a subprefeitura, onde mora ou trabalha, será administrada. Já o poder legislativo da cidade fica na mão de 55 vereadores, cuja função é elaborar as leis municipais, bem como acompanhar as políticas públicas implementadas pela prefeitura e executadas pelas subprefeituras.
Dado o exposto acima, fica claro que os cargos eletivos de prefeitos e vereadores são fundamentais para a vida do cidadão, especialmente a cotidiana. Um ponto que deve ser notado com muito cuidado é lembrar que o nível de urbanização é altíssimo no Brasil. Ao mesmo tempo, nosso país é altamente federalizado. Em outras palavras, se aceitarmos o argumento que a gestão pública mais importante para as pessoas é a urbana, por que mantemos muito mais peso no nível federal? Outro ponto levantado acima é a diversidade de cidades, não só de tamanho, mas também nos âmbitos socioeconômicos e culturais. Isso equivale a dizer que o pacto federativo brasileiro não se articula com o momento de alta urbanização que o país vive. Sendo a distribuição dos pesos de poder tão desconectada com o momento que vive o mundo, a única opção que sobra é aumentar ao máximo a qualidade do voto nos prefeitos e vereadores.
A USP tem produzido documentos interdisciplinares, com sugestões sobre agendas para candidatos e eleitores, formuladas por conjuntos de pesquisadores especialistas que trabalharam de forma interdisciplinar (Buckeridge; Philippi Jr., 2024). Nesse último livro, as cidades são abordadas junto com outros níveis federativos. Além disso, o Instituto de Estudos Avançados da USP produziu em 2020 o Guia para cidades sustentáveis, que pode ser obtido na página do IEA.3 Esses documentos são ferramentas valiosas para aprofundar mais o que será discutido neste artigo.
O eleitor exigente
Ao votar, temos de nos manter muito atentos à história de vida dos candidatos. Não adianta votar em alguém só porque já foi eleito anteriormente ou porque aparece na mídia. Se já teve cargo público, é preciso procurar avaliar seu desempenho e ver se cumpriu o que prometeu.
A vantagem de um candidato que já tenha estado num dos cargos de vereança ou na prefeitura é poder ser avaliado pelo que fez, ou seja, quais resultados obteve. Nesse caso, desde que seja honesto, receber um voto significa menos uma representação da vida pessoal do candidato e mais o seu passado como legislador e/ou gestor. Temos que olhar com muito cuidado o que aquele candidato fez. Pode dar um pouco de trabalho, mas há meios para isto.
No caso de candidatos novos, ainda sem experiência legislativa ou de gestão, não é possível saber se será ou não capaz de entregar o que promete. Mas podemos avaliar a história de vida da pessoa que apresenta a sua candidatura, o que funciona como um indicador do que ela é capaz de realizar. Avaliar o programa proposto pelo candidato nesse caso é essencial. Mais importante ainda do que para candidatos que já têm experiência. Muitas vezes, candidatos novos tendem a exagerar em suas promessas pela falta de experiência com planos de gestão e de legislatura que precisam ser acomodados nos tempos legislativos de quatro anos. Candidatos também podem carecer de experiência sobre como funciona uma prefeitura ou uma câmara de vereadores. Candidatos novos também carecem de experiência na gestão e de implantação de políticas públicas. Tendem a prometer mais do que é possível fazer e, por isso, numa comparação entre candidaturas de reeleição e candidaturas novas, é preciso equalizar as propostas. Ainda que mesmo os candidatos com experiência possam prometer mais do que é possível fazer, no afã de receber votos.
Este artigo foi concebido como um conjunto de mensagens tanto aos eleitores como aos candidatos a cargos eletivos municipais. Como o leitor verá, avaliar candidaturas dá um trabalho considerável. Isso porque são muitos. Uma solução que os eleitores têm usado para esse problema do trabalho grande que dá escolher candidatos é as pessoas consultarem, dentro dos seus círculos familiares e de amigos, alguém em que confiam para obter listas de nomes. Outras pessoas obtêm informações de uma ou duas fontes e as cruzam com as indicações.
Há alguns critérios mais complexos que levam em conta um conjunto maior de fatores e assim permitem avaliar as candidaturas de vários pontos de vista e ranquear aquelas que mais se alinham com as ideias do eleitor.
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1 Experiência prévia: Experiência profissional e a trajetória política dos candidatos. Vale checar a formação básica do candidato e entender qual o nível de conhecimento já adquirido que dará suporte às sugestões propostas. A capacidade de montar e lidar com equipes multidisciplinares é fundamental, já que nenhum candidato terá conhecimento sobre todos os assuntos. Saber escolher assessores que sejam tecnicamente bons é fundamental tanto em cargos executivos como no legislativo;
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2 Propostas e planos de governo: Essas permitem entender suas visões de futuro. Permitem ainda compreender sobre quais pilares teóricos se apoiam. Em outras palavras, a ideologia que têm por trás (ou na base) de suas ideias. Planos bem-feitos vêm com itens de entregas e as datas em que serão oferecidas à população;
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3 Declarações nas redes sociais e declarações públicas: Servem para compreender as posições dos candidatos quando oferecidas através da lente das redes sociais que têm grupos de eleitores aos quais declarações são oferecidas. Tais declarações são bem sintéticas e não trazem um contexto adequado. Geralmente essas informações “posicionam os pontos” que serão ligados entre si pelo eleitor. Portanto, se o eleitor considerar somente informações esparsas e sem contexto, pode se enganar, e muito, sobre o candidato escolhido;
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4 Participação em debates e entrevistas: Nessas oportunidades, os candidatos têm mais tempo para expor suas ideias de forma mais profunda, sendo uma das melhores formas de saber se o candidato tem habilidade de interligar ideias e pensar de forma complexa. Muitos candidatos entendem de um único assunto e podem até falar muito bem sobre ele. Mas quando chegam a um cargo executivo ou legislativo de uma cidade, estado ou país, terão que lidar com o todo. Terão que lidar com discussões e ações que levam sim seu tema preferido em consideração, mas terão que saber como ligar o que sabem aos demais temas que o cargo amplo lhes imporá;
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5 Avaliação do histórico político e ético: Histórico político não deve ser mesclado com o conhecimento ou erudição que um candidato tenha. A política é outro domínio. Ela requer habilidade de lidar com os demais membros da política, com os diferentes grupos de pensamento de eleitores etc. Uma falha ética pode ser mortal para um candidato se o eleitor estiver atento. Se um candidato já agiu usando ética duvidosa anteriormente, a probabilidade é maior que o faça de novo. Verificar o envolvimento em escândalos, processos judiciais ou irregularidades pode dar uma boa indicação da ética de um candidato.
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6 Examinar os sites oficiais dos candidatos na internet: Muitos candidatos disponibilizam seus planos de governo em seus próprios sites oficiais de campanha. Se não o fizerem, já é uma indicação de que algo não vai bem na campanha. É crucial visitar os sites dos candidatos para obter informações detalhadas sobre suas propostas e planos para a cidade. Mas isso deve ser feito com parcimônia. Candidaturas tendem a se autovalorizar intensamente, o que baixa a confiabilidade da informação desses sítios;
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7 Buscar informações nos portais de notícias: Portais de notícias locais e nacionais cobrem as eleições e disponibilizam informações sobre os planos de governo dos candidatos. Não se deve confiar em um veículo apenas e muito menos só em informações que venham das redes sociais. Os portais de notícias são geralmente as fontes mais confiáveis sobre as propostas dos candidatos. Mesmo assim, é importante lembrar que essa forma de examinar candidaturas é apenas uma de muitas;
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8 Assistir aos debates eleitorais: Debates eleitorais trazem informações sobre como os candidatos respondem a situações em que tenham de responder rapidamente a jornalistas e aos competidores. Muitos eleitores se deixam levar somente pelos debates para escolherem para qual deles darão seus votos. Isto é um erro. Responder adequadamente a uma pergunta feita de supetão significa que há um bom grau de preparação da candidatura. Isto é positivo, mas podem-se dar respostas rápidas, lógicas e com linguagem adequada sem que haja qualquer conteúdo por trás da resposta. O que parece muito eficiente pode ser uma cilada.
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9 Tribunais eleitorais: Os tribunais eleitorais costumam disponibilizar informações sobre as eleições. Entre elas os planos de governo dos partidos. É muito instrutivo olhar esses planos, pois abrem o contexto no qual um determinado candidato se insere. Existem inclusive dicas sobre como fazê-los na internet.4 Olhar planos já feitos pode ser interessante ao eleitor e ao candidato, mas é importante que o eleitor se veja (seu bairro, sua cidade) nesses planos. E tem aquela máxima que todos ouvimos: o papel aceita tudo. Por isso, olhar o plano junto com outros focos de contexto das candidaturas é extremamente importante;
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10 Equilíbrio entre Políticas de Estado e de Governo: Verificar se o programa de governo de um candidato divide e expressa claramente suas ações como políticas de estado (aquelas de longo prazo que devem ser continuadas, mesmo que a ideia venha de governos anteriores) e como políticas de governo (aquelas que têm duração de um mandato e estão fortemente atreladas a ideologia partidária da candidatura). A seguir elaboraremos um pouco mais sobre esse tema;
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11 Integrar as informações: a integração dos pontos acima é o mais importante para o eleitor. A visão de uma candidatura através de várias lentes é muito mais eficiente e tem maior probabilidade de funcionar. Uma boa ideia é o eleitor construir uma tabela e colocar notas de zero a dez para cada item. Depois tirar uma média que pode ser a forma de comparar uma candidatura com outras. É preciso lembrar que há outros fatores que poderiam ser considerados pelo eleitor como parâmetros morais, ligações com organizações não governamentais, participação em grupos de políticos e grupos sociais em geral. A tabela comparativa pode ter tantas colunas quanto o eleitor desejar. O importante é que não se avalie a candidatura por poucos e, principalmente, por um único parâmetro.
O candidato ideal
Antes foram dadas algumas indicações sobre como podemos fazer para investigar a fundo cada candidatura - portanto, valem para o eleitor -, e demos também algumas linhas gerais sobre quais pontos devem ser considerados por candidatos a prefeito e vereador, assim como por eleitores.
Aqui passamos às considerações mais direcionadas aos candidatos, mas que não devem escapar da vista dos eleitores. Essas mensagens provavelmente são mais importantes para os candidatos novos. Porém, muitos candidatos experientes podem não ter pensado a respeito de algumas dessas ponderações.
Um dos pontos que vemos como de maior importância é a diferença entre política de estado e política de governo. Isso porque, na maioria das vezes, um candidato terá grande dificuldade de cumprir o que promete em sua gestão. Isso ocorre porque os projetos propostos podem ser muito amplos e necessitarem de muitos anos para serem concebidos e implantados. Podem ainda nem ser aprovados.
De maneira geral, as promessas de curto prazo podem cair na ideia de uma entrega política, enquanto aquelas que são muito amplas, e exigem às vezes décadas para serem consolidadas, estão mais para políticas de estado. A ideia de que políticas de estado não dão votos geralmente faz que os candidatos as deixem de lado, já que podem ser vistas como promessas vazias e impossíveis de cumprir. É um erro, geralmente cometido por candidatos e eleitores. É crucial fazer que os eleitores compreendam o alcance de políticas de estado e que aprendam a valorizar o esforço de um legislador para manter a implementação de alguma política importante que já esteja em curso, uma vez que sua conclusão entrará na conta de quem fará a entrega.
Políticas de estado são contínuas e só dependem do governo naquele momento no poder. Um bom exemplo é o Sistema Único de Saúde (SUS). Candidatos podem propor aperfeiçoamentos para melhorar a saúde como um todo, mantendo o SUS como uma grande política de estado. Isso se contrapõe a ações que vemos frequentemente de maquiar uma modificação de uma política pré-existente e mudar o nome para parecer que é de um novo governo. Essa atitude é ingênua, pois os eleitores percebem facilmente a estratégia eticamente discutível.
Políticas de estado que tenham sido pactuadas no passado que funcionam devem ser mantidas ativas. Esse é um valor que tem que ser compreendido pela sociedade e deve ser incorporado aos processos de decisão dos políticos com visão de estado.
As políticas de governo são aquelas que durarão os quatro anos de gestão e que terão como base as ideologias de cada partido. Isso quer dizer que as políticas de estado são “ideologias da sociedade” em geral e independem das ideologias partidárias. Na lista a seguir, apontamos elementos estratégicos que podem se adequar a estilo e ideologias partidárias e da sociedade. Salientamos esses pontos porque devem ser pactuados com a sociedade e, ao se tornarem políticas de estado, não devem mudar por longo tempo (podem seguir por décadas) de forma que atinjam objetivos mais longínquos e tragam benefícios para as gerações presentes e futuras. É a isso que chamamos de políticas sustentáveis: aquelas que alteram o mínimo possível as políticas presentes e produzem gradualmente melhores efeitos para o futuro. Essas políticas de estado existem, mas são, às vezes, contaminadas por visões partidárias de curto prazo e acabam não fazendo parte de um pacto com a sociedade, de tal forma que a política partidária possa ser feita sem trazer prejuízos ao futuro do país, pelo contrário, possa agregar valores a este futuro.
A seguir, alguns pontos:
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1 Educação: No âmbito de política de estado, o investimento em educação deve ser contínuo, assim como o seu aperfeiçoamento. Houve muita discussão nos últimos anos sobre a educação no Brasil e especialistas têm opinado. Os planos estabelecidos e já pactuados com a sociedade devem ser mantidos e a política de governo deve ser a de realizar ajustes. Um dos pontos cruciais na atualidade são as desigualdades socioeconômicas. Não adianta melhorar o Ensino Médio e a universidade se não houver melhora substancial no ensino básico. Na educação há uma quebra de articulação trazida pelo pacto federativo (ensino básico nas cidades, médio no estado e universidades especialmente no âmbito federal). Um ponto importante de uma política de estado de educação é trabalhar em formas de integração (ou unificação) dos diferentes níveis. As escolas particulares devem participar ativamente do desenho de políticas de estado da educação.
a) O investimento em educação deve ser prioritário. Deve ter investimento contínuo, mantendo o seu mais alto nível por pelo menos 30 anos. Prefeitos e vereadores devem trabalhar num pacto entre as cidades para que este modo de operar seja nacional.
b) A infraestrutura das escolas deve ser de alto nível, com padrão igual ou acima do internacional. Os alunos devem ter acesso a todas as ferramentas didáticas, sem distinção.
c) Os investimentos devem prever a inclusão digital dos alunos mais jovens.
d) Os professores precisam ser devidamente treinados, e de forma contínua. Devem ser bem remunerados e incentivados a realizar especializações e pós-graduação desde o início de suas carreiras. As universidades devem criar programas especiais de capacitação para esses professores.
e) Deve haver incentivo à educação inclusiva e equitativa para criar oportunidades iguais para o aprendizado de todos.
f) É importante que prefeitos e vereadores lutem por um plano de articulação da tríplice hélice de ensino primário/secundário/universidade com o mercado de trabalho formando um contínuo de longo prazo no sistema educacional brasileiro. As sucessões de governos municipais, articuladas com os níveis estaduais e federal, devem reger localmente os planos, através de políticas públicas de alta qualidade e bem articuladas com a sociedade.
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2 Emprego e Renda: Esses são dois elementos vitais para o bem-estar geral da sociedade e as cidades devem ter o emprego e a renda como focos de atenção plena. Cidadãos bem empregados e com renda adequada fazem das cidades trampolins para o desenvolvimento. Se, além de empregados e com renda adequada, os cidadãos forem educados e tiverem saúde, surge um ciclo virtuoso capaz de levar a parâmetros de sustentabilidades muito altos. A seguir, alguns itens importantes. Eles obviamente não esgotam o tema, mas podem ser vitais para iniciar um processo positivo nas cidades.
a) Implementar políticas de estímulo ao empreendedorismo, o que leva à criação de oportunidades de trabalho;
b) Formar parcerias com o setor privado para acelerar a geração de empregos e a promoção de ambientes favoráveis aos negócios;
c) Desenvolver programas de capacitação profissional e educação continuada para facilitar a inserção de cidadãos no mercado profissional.
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3 Energia e Mobilidade Urbana: Para que uma cidade funcione, a mobilidade dos habitantes deve ser mais rápida, confortável e eficiente. Para tanto se gasta energia. Hoje importa muito o tipo de energia usada para “mover” a cidade, já que, por um lado, os combustíveis fósseis emitem carbono e devem ser gradualmente reduzidos banidos; e por outro, nas cidades brasileiras ainda se usa o diesel nos ônibus, que são altamente poluidores. Uma mobilidade urbana deficiente tem efeitos negativos diretos na saúde (incluindo-se a mental) dos cidadãos, o que interfere em todo o sistema urbano. A seguir, alguns dos pontos cruciais que podem melhorar o sistema.
a) Expandir e aumentar a eficiência do transporte coletivo, dando acesso aos cidadãos a toda parte da cidade. Um ponto focal deve ser a utilização das ferramentas de inteligência artificial e logística em toda a cidade;
b) Desenvolver projetos de logística que contemplem o aumento na eficiência do tráfego de veículos que fazem entregas de mercadorias;
c) Implantar tecnologias das cidades inteligentes em todos os faróis de trânsito das cidades, fazendo que funcionem de forma matematicamente ajustada aos fluxos de automóveis, ônibus e pedestres;
d) Incentivar e bonificar o uso de etanol como combustível;
e) Melhorar e ampliar as ciclovias e ciclofaixas, garantindo esta opção para o cidadão.
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4 Infraestrutura e Planejamento Urbano: A essência do planejamento urbano é o Plano Diretor de uma cidade. Esse plano geralmente é feito na forma de um pacto do governo com a sociedade. Vereadores e cidadãos aprovam juntos o Plano Diretor. Além de ter alcance sistêmico na cidade, o Plano Diretor também dita como deve ser adequada a infraestrutura da cidade. De fato, sem uma infraestrutura bem planejada, os demais elementos de funcionamento da cidade não irão funcionar com todo o potencial que têm em seus respectivos planos. Alguns dos pontos cruciais para o bom funcionamento da cidade são:
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a) Desenvolvimento de planos diretores sustentáveis para controlar o crescimento urbano, preservando o meio ambiente e criando condições plenas de vida aos cidadãos;
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b) Investir na infraestrutura de transporte, saneamento básico, energia e comunicação de forma a sustentar o desenvolvimento integrado da cidade;
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c) Promover programas para garantir moradias acessíveis e de qualidade. Desenvolver mecanismos e políticas para que os cidadãos habitem próximo ao trabalho, interferindo positivamente em todos os sistemas de transporte, energia e meio ambiente da cidade.
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5 Meio Ambiente e Sustentabilidade: As cidades, naturalmente, interferem no meio ambiente em seu entorno. Por isso, direcionar as cidades à sustentabilidade é crucial. Isso quer dizer que, mesmo que ainda causando impactos ambientais, possamos minimizá-los ao máximo e criar formas de compensar os efeitos negativos que a ocupação de espaços por populações urbanas causa. Alguns dos pontos centrais são:
a) Implementar políticas voltadas a prevenção e controle da poluição do ar, água e solo. Fortalecer a integração entre governo, parlamento e universidades. A câmara pode ajustar a legislação com auxílio de cientistas e a prefeitura deve estar sempre pronta a transformar essa interação em políticas públicas embasadas que tenham elementos de conscientização e participação social;
b) Incentivar a adoção de práticas de sustentabilidade, como a reciclagem, uso de energias renováveis e eficiência energética. Um grande plano de descarbonização da cidade deve ser elaborado com a participação da sociedade. Tal plano deve se desdobrar nos seguintes sentidos: 1) economizar energia e substituir o diesel por eletricidade nos ônibus, com destaque ao uso de tecnologia de etanol-para-hidrogênio; 2) emitir menos gases do efeito estufa através do aperfeiçoamento gradual de todos os processos utilizados nas cidades, na direção da máxima sustentabilidade; 3) Implantar sistemas que sejam capazes de reciclar TODOS os resíduos produzidos na cidade, gerando confiabilidade nos cidadãos que só assim irão participar do processo. Isso passa pelo incentivo às empresas de reciclagem para que possam gerar um mercado estável no setor, gerando empregos e novos negócios;
c) Conservação e manejo contínuo das áreas verdes, tanto de parque e árvores urbanas quanto das florestas periurbanas. Mapear e detectar áreas urbanas que carecem de verde urbano e implementar projetos para o plantio de árvores e a formação de novos parques e praças;
d) Incentivar a manutenção de jardins nas ruas (jardins de chuva por exemplo) nas casas e prédios. Isso não só contribui para aumentar o verde urbano, mas também aumenta a permeabilização às chuvas e o bem-estar das pessoas devido à beleza.
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6 Saúde: Sem saúde nada funciona bem. Esse é o pilar fundamental para que os cidadãos possam ter vida digna e viver bem. O sistema de saúde é composto de três níveis: atenções primária, secundária e terciária. Os valores gastos aumentam exponencialmente ao seguirmos nesses três níveis. Quanto mais se gasta no atendimento primário, menos gastaremos nos dois outros níveis, o que leva a uma economia substancial no orçamento. Portanto, fortalecendo o Sistema Único de Saúde (SUS) e focando no atendimento primário teremos cidadãos mais saudáveis. Do ponto de vista econômico, um dos maiores itens de orçamento das instâncias de governo é a saúde. Portanto, se o atendimento primário diminuir gastos, sobrará mais verba para usar em outros setores. Abaixo alguns pontos focais a serem considerados pelos candidatos a cargos eletivos:
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a) Ampliação do acesso a serviços de saúde, com foco na atenção primária e prevenção de doenças. O município deve promover planos de articulação de todos os dados sobre a população de forma que os médicos da atenção primária tenham acesso imediato ao prontuário de qualquer cidadão no momento do atendimento;
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b) Fortalecimento da rede de unidades de saúde e melhoria na qualidade do atendimento. O município deve valorizar a integração com o SUS, ajudando-o a se fortalecer ainda mais;
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c) Promover campanhas de saúde pública e conscientização sobre hábitos saudáveis. Este é um elemento essencial da atenção primária. Entre os hábitos saudáveis incluem-se: alimentação, exercícios físicos (articulado com os parques, ciclovias na cidade), entretenimento e cultura (saúde mental).
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7 Segurança Pública: Esse item deve ser um dos mais complexos no sistema urbano. Problemas relacionados à segurança pública têm sua gênese em vários dos subsistemas urbanos, especialmente educação, emprego e renda e infraestrutura. A desigualdade de renda, advinda de empregos de baixa qualidade ou da falta deles, reflete diretamente na abertura de espaço para o crime organizado, que ocupa espaços que o governo não tem conseguido ocupar. Obviamente o policiamento e uma boa gestão das políticas públicas de segurança são importantes. Mas o fator socioeconômico pode fazer que uma sociedade com um bom equilíbrio socioeconômico se sobreponha a grande parte dos problemas de segurança pública. Só isso não será capaz de eliminar tais problemas, mas a tendência é que diminuam bastante. Se os cidadãos tiverem boas oportunidades de empreender em um sistema eficiente que gere lucro, renda e bons empregos, a competitividade da sociedade organizada se sobreporá, pelas vantagens em relação ao crime. Não queremos dizer que os problemas imediatos não sejam relevantes. São, e muito! Mas cuidar de uma cidade sustentável com oportunidades igualitárias e com bem-estar máximo possível para todos os cidadãos pode, nos médio e longo prazos, fazer que a segurança pública seja menos pressionada e que vidas e propriedades sejam mantidas a salvo dos conflitos gerados pelo crime. A seguir, alguns pontos centrais sobre segurança. Notar-se-á que muitos estão relacionados com questões afeitas às desigualdades. A ideia é que, ao equalizar a sociedade, haja efeitos importantes sobre a segurança pública. Os candidatos devem encarar esses itens como parte de um programa de estado de mais longo prazo, como discutido acima.
a) Fortalecer a segurança comunitária e prevenção de violência em parceria com a comunidade;
b) Investir em tecnologias estratégicas, que usem inteligência para o combate ao crime e proteção dos cidadãos
c) Promoção da cultura de paz e justiça, com foco na resolução pacífica de conflitos e no respeito aos direitos humanos.
d) Criação de programas de serviços de proteção social para grupos vulneráveis, garantindo a inclusão e acesso a direitos básicos. Com isso, espera-se que menos cidadãos vulneráveis sejam captados para aderir ao crime organizado;
e) Fomento à diversidade e igualdade de oportunidade para todos os cidadãos, independentemente de origem, raça, gênero ou orientação sexual. Esse é um dos pontos de violência atualmente e essas pessoas têm estado entre os mais vulneráveis na sociedade brasileira;
Conclusões
A democracia requer que não somente os políticos, mas também os eleitores sejam responsáveis pelos caminhos da sociedade - o que chamamos neste artigo de “ideologias da sociedade”. Nesse sentido, as coisas só poderão melhorar - e a democracia funcionar plenamente - se eleitores e candidatos trabalharem em conjunto e de acordo. Devemos nos lembrar de que a democracia inclui consenso que contém, em si, descensos. Mas esses últimos exigem concessões por parte dos eleitores.
Sejam quais forem as “ideologias” escolhidas pela sociedade, o caminho depende de ambos. A democracia brasileira não tem funcionado bem com uma sociedade que simplesmente vota quase aleatoriamente em candidatos, esperando que algum deles resolva os problemas de forma “mágica”.
O eleitor precisa ser mais exigente. Para isso, precisa se esforçar mais para escolher em que candidatos vai votar. Precisa saber quem são os candidatos e quais os seus planos para poder ser exigente e fazer que a sociedade caminhe para o melhor para cada um e para todos, cumprindo assim a essência do que se espera da democracia. Nela, o nível de exigência dos eleitores é o principal determinante da qualidade do parlamento, com especial destaque para as câmaras de vereadores e dos prefeitos, e não o contrário.
Referências
- BUCKERIDE, M. S.; PHILIPPI JR., A. Agendas para Políticas Públicas Brasileires; uma contribuição da USP para a sociedade. São Paulo: Edusp, 2024. 173p.
- WEST, G. Scale. The Universal Laws of Growth, Innovation, Sustainability, and the Pace of Life, in Organisms, Cities, Economies, and Companies. New York: Penguin Press, 2017. 496p.
Notas
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1
Disponível em: <https://ourworldindata.org/urbanization>.
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2
Alometria refere-se ao estudo do crescimento relativo de uma parte de um organismo em relação ao todo. A alometria é comumente usada em biologia para entender as relações de escala entre várias partes do corpo ou características dentro e entre diferentes espécies. No livro Scale de Geoffrey West, ele define alometria (allometry em inglês) usando conceitos da biologia, mas aplica às cidades, usando parâmetros que atendem à definição biológica.
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3
Disponível em: <http://www.iea.usp.br/eventos/urbansus-guia-cidades-sustentaveis-eleicoes-2020>.
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4
Disponível em: <https://aprova.com.br/blog/como-elaborar-um-plano-de-governo-municipal/>.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Nov 2024 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2024
Histórico
-
Recebido
26 Jul 2024 -
Aceito
10 Set 2024