Open-access Militarização e desdemocratização ao longo dos governos chavistas na Venezuela

RESUMO

Este artigo analisa o processo de militarização e de desdemocratização na Venezuela ao longo dos governos de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro. Observamos que, desde o início do governo de Chávez, os militares receberam incentivos para participar da política nas esferas institucionais e ganharam maior protagonismo dentro da coalizão governamental, sobretudo após a tentativa frustrada de golpe contra Chávez em 2002. Na administração de Maduro, os laços entre o governo e os militares se estreitaram, o que, por um lado, garantiu a sobrevivência de Maduro no poder, em meio a uma profunda crise econômica e às investidas de grupos opositores para derrubá-lo, mas, por outro, contribuiu para a corrosão do sistema democrático do país. A metodologia utilizada foi a Análise de Conteúdo, por meio da qual examinamos artigos acadêmicos e textos jornalísticos produzidos sobre questões militares e sobre a democracia na Venezuela.

PALAVRAS-CHAVE:
Chavismo; Democratização; Desdemocratização; Militarização

ABSTRACT

This article analyzes the process of militarization and dedemocratization in Venezuela throughout the governments of Hugo Chávez and Nicolás Maduro. We note that since the beginning of Chávez’s government, the military have received incentives to participate in politics in the institutional spheres and have gained greater prominence within the government coalition especially after the failed coup attempt against Chávez in 2002. Under Maduro’s administration, ties between the government and the military have strengthened, which, on the one hand, has ensured Maduro’s survival in power, amid a deep economic crisis and attacks by opposing groups to overthrow him, but on the other hand contributes to the corrosion of the country’s democratic system. The methodology used was Content Analysis, through which we examined academic articles and journalistic texts produced on military issues and democracy in Venezuela

KEYWORDS:
Chavismo; Democratization; Dedemocratization; Militarization

Introdução

Estaríamos testemunhando o retorno dos militares à política na América Latina? Essa é uma pergunta pertinente sobretudo se analisarmos o cenário político atual na Venezuela e no Brasil. Jair Bolsonaro, presidente do Brasil entre 2019 e 2022, trouxe militares para o interior do Executivo, atribuindo-lhes funções ministeriais importantes. Dentre elas está a de comandar o Ministério da Defesa, tradicionalmente ocupado por civis, visando exercer controle democrático sobre as forças castrenses.

Na Venezuela, as Forças Armadas têm exercido ao longo da história um papel primordial no jogo político, oscilando por vezes entre concentrar-se mais em suas funções castrenses e, em outras ocasiões, exercendo um ativismo político de maneira mais aberta. Isto é, em situações de crise política, sobretudo com o acirramento da luta de classes, as Forças Armadas passam a se envolver em questões políticas, relativas ao ordenamento da sociedade, à organização do Estado ou às disputas partidárias ou eleitorais, que extrapolam as funções de defesa nacional, o que resultou, em muitas delas, na implementação de regimes autoritários.

Após décadas de sucessivos golpes militares, mais precisamente em 1958, foi firmado um acordo entre elites partidárias, conhecido como o Pacto de Punto Fijo, estabelecendo um sistema político democrático no qual as Forças Armadas foram submetidas ao controle civil. A relativa estabilidade política do país começou a ser contestada no final da década de 1980, quando ocorre o Caracazo, um intenso ciclo de protestos que explode em reação aos efeitos da adoção do receituário neoliberal por parte do presidente venezuelano em exercício, Carlos Andrés Perez, em meio a uma forte crise econômica.

O resultado disso foi o descrédito generalizado da “velha política”, que rompeu com o Pacto de Punto Fijo e abriu o caminho para a chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1999. Desde então, a presença dos militares na política passou a se expandir, por estímulos do próprio presidente, um ex-tenente coronel do Exército. Em 2013, Chávez morre e Nicolás Maduro, um ator importante dentro da coalizão do governo, ganha as eleições e assume a presidência, atribuindo um papel ainda mais relevante ao alto comando das forças militares, que hoje representam o principal pilar de sustentação do governo.

Neste artigo, em particular, analisaremos as mudanças nas relações entre civis e militares em curso na Venezuela desde a primeira eleição de Chávez até os dias de hoje e os efeitos desdemocratizantes desse processo. Dito de outro modo, a pergunta que buscamos responder é: como a militarização provocou desdemocratização ao longo do período assinalado?

Na próxima seção, debateremos a metodologia de Análise de Conteúdo e os conceitos que utilizaremos como ferramentas de análise: militarismo, (des)militarização, autonomia militar, ativismo político militar e (des)democratização. Na terceira seção, nos debruçaremos sobre os governos de Hugo Chávez, que esteve no poder entre 1999 e 2013. Já na quarta seção, debateremos as transformações ocorridas ao longo do governo de seu correligionário e sucessor na cadeira presidencial, Nicolás Maduro, que governa o país desde 2013. Por fim, traçaremos alguns comentários a título de conclusão.

Notas metodológicas e os conceitos de (des)militarização e de (des)democratização

A metodologia escolhida para guiar a nossa pesquisa foi a Análise de Conteúdo, tal como discutida por Roque Moraes (1999). O autor afirma que esse tipo de análise serve para “descrever e interpretar o conteúdo de todas as classes de documentos e textos, atingindo uma compreensão dos significados subjacentes aos textos num nível que vai além de uma leitura comum” (Moraes, 1999, p.7). Na pesquisa que ensejou a escrita do presente artigo, nos baseamos em matérias jornalísticas e em diferentes trabalhos acadêmicos produzidos sobre o chavismo na Venezuela, sobretudo aqueles que investigam a relação entre os militares e o governo, e os impactos disso na democracia, de forma a ter acesso a dados e a diferentes interpretações do que ocorre naquele país.

A pesquisa seguiu as cinco etapas estipuladas por Moares (1999, p.10): (1) a preparação; (2) a transformação do conteúdo em unidades; (3) a categorização das unidades; (4) a descrição; e, por fim, (5) a interpretação. Primeiro, fizemos uma seleção de textos que tratam do tema. Depois, separamos em unidades que foram classificadas da seguinte forma: “Militares na Venezuela”; “Democracia e chavismo” e “Outros temas relativos ao chavismo”. Em seguida, resenhamos os textos, destacando os dados mais pertinentes para a argumentação. Finalmente, relacionamos o que encontramos com a discussão teórica-conceitual.

O nosso objetivo é compreender a relação entre militarização e desdemocratização. Entretanto, em razão da limitação de tempo e da dificuldade de se conseguir dados acerca de uma gama ampliada de países, optamos por fazer um estudo de caso que, apesar da limitada capacidade de produzir generalizações, é capaz de fornecer elementos mais robustos para pesquisas futuras de caráter comparativo (Gerring, 2007). Portanto, a investigação do tema na Venezuela no espaço de tempo delimitado aqui pode embasar pesquisas posteriores sobre a relação entre militarização e desdemocratização.

Roque Moraes (1999) adverte que a Análise de Conteúdo precisa levar em conta o contexto no qual o documento foi produzido para interpretá-lo de forma mais precisa. Nessa pesquisa, optamos por textos acadêmicos por conta da natureza desse tipo de produção. Normalmente, tais pesquisas são conduzidas durante um período mais extenso do que os trabalhos jornalísticos, por exemplo, que prezam pelo imediatismo. Isso possibilita que os pesquisadores se debrucem sobre o tema de forma mais aprofundada. No entanto, há elementos conjunturais que por vezes não são explorados de forma detalhada por tais pesquisas, portanto adicionamos na análise matérias jornalísticas que pudessem esclarecer informações factuais que não encontramos nos textos acadêmicos.

Em uma Análise de Conteúdo, além de levar em conta o contexto no qual os documentos foram produzidos, é preciso também conhecer o contexto histórico subjacente ao objeto de pesquisa. No nosso caso, como mencionamos anteriormente, a história da Venezuela é marcada pela forte presença das Forças Armadas no jogo político, oscilando por vezes entre concentrar-se mais em suas funções castrenses e, em outras ocasiões, exercendo um ativismo político de maneira mais aberta.

Tal ativismo segue a lógica do que a literatura define como militarismo, que, nas palavras de Pasquino (2000, p.748), significa “um vasto conjunto de hábitos, interesses, ações e pensamentos associados com o uso das armas e com a guerra, mas que transcende os objetivos puramente militares”. A ideologia militarista, segundo o autor, objetiva “penetrar em toda a sociedade, impregnar a indústria e a arte, conferir às forças armadas superioridade sobre o governo [...]”. Em suma, o militarismo seria uma ideologia que preconiza o controle dos militares sobre os civis. Escanéz (2019) adverte, contudo, sobre a importância de evitarmos essencialismos quanto ao uso do conceito. O autor explica que o militarismo não está vinculado intrinsecamente aos militares, uma vez que podem existir civis mais militaristas que os membros das forças castrenses.

Já a militarização seria o processo de implementação desse conjunto de ideias, podendo envolver o armamento, a organização, o planejamento, o treinamento para o exercício de práticas violentas (Kraska, 2007). Seria um tipo de securitização que é levado a cabo por meio de um processo intersubjetivo que institucionaliza o predomínio do militar sobre o político, com uma série de efeitos excepcionais (Escanéz, 2019). Sendo assim, a militarização e a desmilitarização seriam conceitos usados para medir o aumento ou a redução da influência das relações militares sobre as relações sociais (Stravianakis, 2015).

A combinação entre o ativismo político das Forças Armadas e a militarização da sociedade é um indício da ampliação da autonomia militar, conceito esse que pode ser definido como o grau pelo qual as forças militares estão isoladas das pressões políticas e societárias, impedindo ou facilitando a supervisão civil das operações internas (Trinkunas, 2001, p.165). Quanto mais autônomas, menos as Forças Armadas estão submetidas às pressões políticas e sociais e à supervisão civil. A autonomização das instituições castrenses tem historicamente produzido um efeito nocivo para a estabilidade democrática. Portanto, o debate sobre militarização implica discutir um dos temas mais caros para a ciência política: a democracia.

No seu último livro publicado em vida, intitulado Democracy, o sociólogo e cientista político Charles Tilly (2007) propõe uma teoria do processo político pautada pela análise de transformações democratizantes e desdemocratizantes, dentro de uma perspectiva de longo prazo. No lugar de conceber a democracia como um conceito estático, que visa a classificar os regimes políticos de forma dicotômica, como democráticos ou não democráticos, Tilly produz uma tipologia que possibilita investigar mudanças sociais que apontam para o aprofundamento ou para o retrocesso democrático ou mesmo que abarca dinâmicas contraditórias que caminham nas duas direções.

A democratização, nessa teoria, consiste na expansão da capacidade estatal para assegurar e aprofundar os quatro elementos fundamentais que compõem a democracia, na óptica de Tilly: a extensão (são muitos ou poucos os grupos de cidadãos que conseguem expressar suas demandas?), a igualdade (reflete a disparidade entre os grupos de terem suas demandas atendidas pelo Estado), a proteção (referente às liberdades que o Estado deve respeitar na relação com os cidadãos) e os compromissos mútuos assumidos (ou seja, as regras do jogo). Já a desdemocratização seria o caminho inverso.

Tomando como base esse debate teórico, vamos analisar as relações do chavismo com as Forças Armadas na Venezuela, identificando as continuidades e as diferenças entre os governos de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro nessa esfera e de que forma o processo de militarização está relacionado com a desdemocratização do Estado venezuelano.

O governo Chávez: o papel dos militares em meio a processos contraditórios

O Movimento Bolivariano Revolucionário (MBR-200) foi fundado em 1982 pelo então tenente-coronel do Exército Hugo Chávez, apresentando um discurso fortemente antineoliberal e antioligárquico, revestidos de elementos ideológicos de cunho nacional-popular e pautados pelo apelo ao mito fundador do Estado venezuelano: a figura de Simão Bolívar. O objetivo do grupo era questionar a hegemonia do bloco histórico que estava no poder desde 1958 e já não conseguia mais atender às demandas da sociedade venezuelana, procurando se projetar como uma alternativa viável (Biardeau, 2009).

No final da década de 1980, ficou evidente um processo de transformações que já vinha ocorrendo por conta do avanço do ideário neoliberal, que rebaixou a qualidade de vida de uma grande parcela da população. Uma onda de protestos, conhecida como o Caracazo, aterrorizou a capital venezuelana no ano de 1989, colocando em xeque um acordo vigente entre as elites políticas. O Pacto de Punto Fijo, firmado em 1958, havia estabelecido um regime democrático, o que fez a Venezuela ser considerada um exemplo para seus vizinhos, muitos dos quais passaram por períodos autoritários entre as décadas de 1960 e 1980. No entanto, o regime democrático venezuelano era limitado, tendo em vista que foi estruturado de forma vertical pelas elites políticas, representadas pelos partidos Ação Democrática (AD) e Comité de Organização Política Eleitoral Independente (Copei), que se revezavam no poder.

A crise orgânica evidenciada no Caracazo foi lida por Chávez e seu grupo como uma janela de oportunidade para ascenderem politicamente. Em 1992, o MBR- 200, tentou chegar ao poder mediante um golpe de Estado, mas foi impedido pelas forças de segurança, que prenderam Chávez. Na ocasião de sua prisão, o ex-tenente coronel teve a oportunidade de dar um depoimento longo na mídia, no qual se apresentou como um habilidoso comunicador, utilizando o seu notável carisma para construir uma imagem revolucionária. Werz e Winkens (2007, p.302) descrevem aquele momento como crucial para a ascensão política de Chávez, em meio a um cenário de total descrédito do sistema partidário, no qual a simbologia de um movimento centrado em uma persona carismática encontrava terreno fértil para se disseminar.

Dois anos mais tarde, o líder do MBR-200 saiu da prisão e começou a reunir forças políticas de oposição em torno de uma coalização, o que viria a resultar, em 1997, na criação do Movimento V Revolucionário (MVR), um partido político formado para disputar as eleições em 1998, lançando Hugo Chávez como candidato à presidência. Tendo obtido 56,24% dos votos, Chávez se tornou o chefe do Executivo no país.

Uma das primeiras iniciativas do novo governo foi a de convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. Promulgada em 1999, a nova Carta Magna mudou o nome oficial do país para República Bolivariana da Venezuela e estabeleceu um novo pacto político, econômico e social. A nova Constituição era parte de um projeto em cujo cerne estava a busca por uma distribuição mais equânime da renda petroleira - que até então enriquecia a elite e parte da classe média ligada à produção petroleira em detrimento da maioria da população venezuelana - como instrumento para o desenvolvimento nacional, em oposição às forças imperialistas, mas dentro de uma dinâmica de integração latino-americana (Altman, 2016; Maringoni, 2008).

Em razão da nova ordem constitucional, foram convocadas eleições presidenciais e legislativas, nas quais Hugo Chávez se reelegeu e a sua coalizão conseguiu conquistar 92% das cadeiras do congresso (Portal G1, 2010). Aproveitando o contexto favorável, em 2001, a Assembleia Nacional aprovou um pacote de decretos-leis, dentre esses estava a Lei Orgânica de Hidrocarbonetos, responsável pela ampliação da participação estatal sobre a extração de petróleo e gás (Venezuela, 2001). Tais leis fomentaram o descontentamento das elites políticas e econômicas tradicionais, gerando um clima de intensa instabilidade política.

Em abril de 2002, houve uma tentativa de golpe de Estado, na qual Chávez foi preso e Pedro Carmona, presidente da associação empresarial Federação de Câmaras de Comércio e Produção (Fedecamaras), assumiu a presidência do país. A pressão de militares aliados e, especialmente, a forte mobilização popular nas ruas em favor do governo eleito foram cruciais para que Chávez conseguisse reverter o golpe e, em 48 horas, restituir o cargo de presidente. É fundamental ler essa reação popular como um “acontecimento”1 que salientava a correlação de forças favorável às propostas de mudanças que estavam em andamento. Nos anos seguintes, é possível observar que, a despeito de os grupos opositores continuarem frequentemente se mobilizando nas ruas contra o governo, inclusive realizando greves patronais, como a que ficou conhecida como o Paro Petrolero, o governo não recuou e, ao contrário, apostou na radicalização das reformas.

Além disso, é importante destacar que o apoio de setores militares a Chávez sinalizava transformações em curso no interior das Forças Armadas que permitiram um descolamento dos militares em relação às elites econômicas. Afinal, como explicar que setores importantes das Forças Armadas passariam a apoiar um governo que se denominava como socialista? Isso seria algo impensável na maioria dos países vizinhos. Segundo Marta Harnecker (2003), as Forças Armadas na Venezuela detinham certas características excepcionais, em especial na época em que a geração de Hugo Chávez se formou:

  • (1) a ideologia nacionalista e patriótica propagada pelas instituições militares dava respaldo a um governo que se opunha ao desmonte neoliberal do Estado;

  • (2) havia forte influência do pensamento anticolonial de Simão Bolívar no que tange à defesa nacional;

  • (3) a geração de Chávez não foi treinada nos Estados Unidos, e sim na Academia Militar Venezuelana, o que os tornou menos susceptíveis à influência do pensamento neoimperialista exportado pelas instituições estadunidenses;

  • (4) pelo fato de o país não ter vivido uma ditadura militar entre as décadas de 1960 e 1980, existiram poucas guerrilhas, se comparado aos vizinhos;

  • (5) o Caracazo foi um momento de efervescência política no país, no qual muitos jovens militares se tornaram mais politizados;

  • (6) muitos desses oficiais tiveram incentivos para cursar ensino superior, bem como para estudar a história do país e as ciências sociais. Tais fatores teriam sido responsáveis por uma formação humanística diferenciada dos militares venezuelanos em relação aos militares de outros países latino-americanos e o fato de apoiarem um governo dito socialista está ligado, em grande medida, às dinâmicas acima assinaladas. Chávez, inclusive, chegou a iniciar um curso de mestrado em Ciência Política.

Após o golpe frustrado, a correlação de forças passou a ser ainda mais favorável ao governo. Ciente disso, Chávez tomou ainda algumas medidas com o intuito de cercear os movimentos de oposição no interior das Forças Armadas (FA). O presidente promoveu um expurgo nos altos escalões das FA, promovendo oficiais que demonstraram lealdade ao movimento bolivariano, muitos dos quais foram convocados para exercer também tarefas civis, como gerenciar e executar projetos de moradia popular e projetos voltados para a área de infraestrutura. O Executivo procurou manter fragilizada a hierarquia militar para aumentar o controle sobre as instituições, tornando o alinhamento ideológico com o chavismo, em muitos casos, uma característica prevalente em relação à posição na hierarquia para um militar exercer poder de mando; isto é, um general podia receber ordens de um tenente, se esse é ligado a alguém importante da cúpula governista. Outra medida importante foi a de mover os militares pelo país, evitando que os oficiais criassem raízes em um dado local, dificultando a formação de movimentos insurrecionistas (Rodríguez, 2019).

Do ponto de vista socioeconômico, ocorreram, ainda, algumas mudanças importantes na carreira militar, que fizeram que os funcionários das instituições militares passassem a ter melhores condições de vida. Mesmo aqueles de baixa patente viram seus salários elevarem-se significativamente em decorrência do maior investimento estatal naquelas instituições. Com isso, a procura pela carreira militar cresceu significativamente (Kruijt, 2020, p. 90). Desse modo, ao conceder poder aos militares aliados e possibilitar a ascensão social do corpo de funcionários como um todo, o chavismo conseguiu manter as Forças Armadas como seu braço direito.

Notamos, portanto, que havia um crescente ativismo militar na Venezuela antes mesmo da chegada de Chávez à presidência, e que, no início do governo, se dividia em dois grupos: aqueles que rechaçavam o governo e os que o apoiavam. Na ocasião do golpe, o forte respaldo popular ao presidente nas ruas foi fundamental para que essa última ala se fortalecesse após o rápido retorno de Chávez à cadeira presidencial. Sabendo da necessidade de fortalecer o seu escudo militar, o mandatário tomou um conjunto de medidas para favorecer os seus apoiadores e afastar ou mitigar o potencial desestabilizador dos seus opositores nas forças castrenses. Por conseguinte, essa conjuntura crítica aprofundou a militarização do Estado e da sociedade.

Além disso, houve um esforço do governo de levar os militares para o campo da política institucional, transformando-os em atores importantes no âmbito da administração pública e da economia. Tal incentivo já ficava explícito na Constituição de 1999, que afrouxou a proibição aos militares de engajaram-se em atividade política (Villa, 2022, p.84). Após o golpe de 2002, o chavismo começou a radicalizar o seu projeto, incorporando as Forças Armadas na tarefa de implementação das misiones sociales, um conjunto de políticas públicas voltadas ao combate à pobreza e à desigualdade, bem como incluiu militares no ministério e na coordenação de empresas estatais. A Ley Orgánica de la Seguridad de la Nación, sancionada em 2002 pela Assembleia Nacional, embasou juridicamente tal iniciativa (Jácome, 2011).

Nos anos posteriores, conforme narra Jácome (2011), o processo de partidarização e de desprofissionalização das Forças Armadas se intensificou com a aprovação das Leis Orgânicas de 2005 e de 2008 e com o Decreto n.8096, de 2011. Essas iniciativas legislativas deram respaldo para o avanço da institucionalização do “Socialismo do Século XXI”, ideologia que Chávez passa a propagar em 2005, na qual um dos conceitos fundamentais é o de “povo em armas”. Nesse contexto, foi criado o Comando Geral da Reserva Nacional e Mobilização Nacional, que, em 2009, passou a ser chamado de Milícia Nacional Bolivariana (MNB). A participação de profissionais sem estudos militares nessa instituição e a falta de clareza se a MNB se tonaria o quinto componente das Forças Armadas à época geraram dúvidas sobre a constitucionalidade da sua atuação, uma vez que o artigo 324 da Constituição determina que a Força Armada Nacional é a única que pode possuir e utilizar armas, munições e explosivos de guerra (Jácome, 2011).

Cabe ressalvar que, além desse processo de militarização, ocorria em paralelo uma crescente interferência do Executivo no Judiciário, com o aumento no número de juízes no Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) para nomear aliados, como forma de blindar o governo de acusações dos grupos opositores bem como ameaçar adversários políticos (Urribarri, 2011; Taylor, 2014). A militarização e a judicialização da política foram dois vetores de mudanças que convergiram no sentido de desdemocratizar o Estado venezuelano, afetando especialmente dois dos quatro elementos que Tilly (2007) concebe como essenciais à democracia: a “proteção” e os “compromissos mútuos assumidos”, que dizem respeito às liberdades fundamentais e às regras do jogo. Ou seja, o aparelhamento das instituições militares e de justiça afetaram o seu funcionamento, de forma a beneficiar a elite governista e seus apoiadores, em detrimento de seus adversários.

Contraditoriamente, existiam também traços fortemente democratizantes, sobretudo no que tange aos outros dois elementos da teoria da Democracia formulada por Tilly (2007): a “extensão” e a “igualdade”, referentes ao aumento da probabilidade de um maior número de grupos de cidadãos terem suas demandas atendidas e à redução da disparidade de condições para que grupos normalmente marginalizados tenham suas demandas satisfeitas. Além das missiones sociales, podemos citar outras iniciativas eu caminham na direção democratizante: a criação de instituições voltadas para a integração regional dos países latino-americanos, dentre as quais destaca-se a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) (Lopez Maya, 2017); a criação de mídias estatais como forma de contrabalancear a narrativa dos grupos hegemônicos que apoiaram o golpe frustrado de 20022 (Werz; Winkens, 2007); a implementação de mecanismos de participação direta, como as comunas e os conselhos comunitários3 (Goldfrank, 2011), bem como a ampliação da possibilidade de promover referendos, dentre outras inciativas.

Cumpre ressalvar que mesmo essas medidas com potencial democratizante tinham suas contradições internas, e em alguma medida facilitavam o processo de concentração do poder no Executivo. Entretanto, o que é importante salientar é que, ao analisar o governo de Hugo Chávez pela abordagem dicotômica tão comum na literatura da ciência política que divide os Estados entre democráticos ou ditaduras, podemos perder de vista a sua complexidade.

No que tange mais especificamente ao tema deste artigo, as relações entre os militares e o governo, é possível afirmar que houve um processo de ampliação do ativismo político por parte sobretudo das altas cúpulas das Forças Armadas, que resultou na intensificação do processo de militarização do Estado e da sociedade, com efeitos deletérios para a democracia do país, no que tange à proteção das liberdades e do respeito às regras do jogo político institucional.

O governo Maduro: os militares como pilar de sustentação

Hugo Chavéz veio a falecer em 2013, não podendo completar o mandato para o qual havia sido eleito um ano antes. O cenário, nos âmbitos doméstico e geopolítico, era extremamente adverso para o novo governo, com a perda de um líder carismático, a queda do apoio popular ao chavismo e o fortalecimento da oposição. Somado a isso, houve forte estagnação na economia em virtude, sobretudo, da desaceleração do comércio global e do crescimento chinês; bem como houve, no contexto regional, a retração do ciclo progressista e o esfriamento da agenda de integração sul-americana.

Antigo líder sindical e vice-presidente da República, Nicolás Maduro era um ator importante na cúpula do governo e foi o escolhido para carregar o legado deixado por Chávez, diante dessas adversidades. Concorreu nas eleições presidenciais de 2013 e venceu por uma margem bastante estreita, conquistando 50,61% do total de votos. O candidato opositor Henrique Capriles não reconheceu a vitória do seu oponente, alegando irregularidades sem apresentar provas, o que contribuiu fortemente para debilitar a legitimidade do sistema político venezuelano.

A pequena margem de vitória era um indício do acirramento da polarização que desde 1998 era visível no país e que, portanto, Maduro não teria vida fácil nos anos subsequentes. Para fins de comparação, na eleição de 2012, na qual Hugo Chávez ganhou antes de falecer, a margem obtida foi significativamente maior: Chávez havia conseguido 685 mil votos a mais que Maduro conseguiu em 2013, vencendo a eleição por uma diferença de 12% dos votos.

Diante desse cenário adverso, as Forças Armadas ganharam ainda maior proeminência no governo e atualmente dirigem diversos elementos do cotidiano, como a distribuição dos alimentos e dos remédios às farmácias e a administração de empresas do complexo industrial denominado Zona Econômica Militar Socialista. Jácome (2017, p.46) observa que o Ministério do Poder Popular para a Defesa, responsável pela coordenação das instituições militares e chefiado por um general, Vladimir Padrino López, reuniu, no decorrer do governo Maduro, cada vez mais poder dentro do Executivo, se convertendo na ordem máxima do país, atrás apenas do presidente. Uma resolução assinada por Maduro, ainda em 2015, dava aos órgãos chefiados pelo Ministério a permissão para o uso de armas de fogo para reprimir manifestações violentas, como forma de retaliação à grande onda de protestos contra governo que ocorreram no ano anterior, o que vêm gerando fortes denúncias de desrespeito aos direitos humanos.

Em fevereiro de 2016, o governo autorizou a criação de 20 empresas mistas, nas quais 55% das ações eram de posse do Estado, como parte do Plano do Arco Mineiro de Orinoco, voltada para a exploração de minérios, como ouro, bauxita, cobre e diamantes, em áreas banhadas pelo Rio Orinoco. Esse trabalho de extração mineral ficaria a cargo da Companhia Anônima Militar das Indústrias Minerais, Petrolíferas e de Gás (Camimpeg), que, por sua vez, era presidida pelo Ministério chefiado por Padrino López. Jácome (2017) entende que, além de ampliar o espaço de atuação na cúpula do governo, os militares adquirem o status de empresários, ao deterem o controle de importantes empresas estatais, por onde circula grande quantidade de dinheiro público. Além da Camimpeg, outras quatro empresas são administradas quase que exclusivamente pelos militares: o Banco da Fanb; a Televisão da Fanb, a empresa militar de transporte e a Agrofanb, uma empresa agrícola.

O grau de concentração de poder nas mãos do general Vladimir Padrino é criticado por setores da oposição e por acadêmicos não apenas pelo suposto risco à democracia que a estrutura hierárquica militar representa. São feitas também acusações de que muitos dos membros da Fanb que estão em posição de comando nessas empresas não teriam qualificação técnica para ocuparem os cargos administrativos. Além disso, existem indícios de esquemas de corrupção em funcionamento dentro dessas instituições, que estariam alimentando o enriquecimento ilícito da burocracia chavista (Jácome, 2017, p.47).

A ausência de ferramentas eficazes de controle à ação das instituições militares torna complicada a tarefa de frear tais esquemas ilícitos. Jácome aponta a Comissão de Segurança e Defesa da Assembleia Nacional como o único instrumento capaz de atuar nesse sentido; porém, em razão das punições impostas pelo Tribunal Superior de Justiça à Assembleia, a Comissão deixou de ter o poder de supervisionar as Forças Armadas no tocante aos seus aspectos doutrinários e à aplicação do dinheiro público (ibidem, p.49). Ou seja, o processo de ampliação da autonomia militar, já em curso desde o governo de Chávez, é elevado a um patamar ainda mais alto no governo de Maduro.

Sabendo da necessidade de atrair os militares para a sua órbita de influência, os principais grupos opositores buscaram repetidas vezes convencer os militares a se desvincular do governo. No fim de maio de 2017, o deputado opositor e então vice-presidente da Assembleia Nacional, Freddy Guevara, por exemplo, instaurou a Comissão de Garantias para a Transição, cujo objetivo era fazer leis de anistia para aqueles que mudassem de lado e isentá-los de possíveis punições a partir do momento em que a oposição chegasse ao poder. Com isso, militares rebeldes estariam livres para retomar seus postos de trabalho após a destituição do presidente. A Lei de Anistia aprovada, entretanto, foi interpretada como inconstitucional pelo Supremo Tribunal (Jornal Nacional, 2019).

Horas após a decisão, os grupos opositores promoveram um levante militar em uma unidade da Guarda Nacional, um dos braços das Forças Armadas que atua especialmente em funções de segurança pública junto à Polícia Bolivariana, onde um grupo liderado pelo sargento José Gregorio Brandes atacou a guarnição militar de Cotiza, um bairro de Caracas. O sargento falou à imprensa que o levante tinha como objetivo fazer que a Constituição fosse respeitada pelo governo e convocou o povo a se manifestar. Logo em seguida, foi organizado um protesto próximo à guarnição atacada, mas os manifestantes foram rapidamente dispersados pela Polícia.

O então presidente do Congresso, Juan Guaidó, utilizou a fala de Brandes para tentar convencer os venezuelanos de que a revolta era sintoma de um “sentimento generalizado dentro das Forças Armadas”. Contudo, é importante ressalvar que a Guarda Nacional é o braço mais fraco dentro das Forças Armadas e que o movimento dissidente ficou restrito apenas àquela unidade militar. Além disso, as Forças Armadas emitiram um comunicado oficial no qual chamavam os revoltosos de “delinquentes” e prometiam um “castigo exemplar” para os envolvidos. A frase final do documento explicita a força que o chavismo ainda tem entre os militares: “Chávez vive, a pátria continua. Independência e pátria socialista, viveremos e venceremos” (Telesur, 2019).

No dia 6 de agosto de 2017, o apoio do alto comando das forças castrenses a Maduro foi mais uma vez posto à prova. Um grupo de rebeldes do estado de Carabobo formado por militares e civis vestidos com uniforme das Forças Armadas, comandados pelo militar reformado Juan Caguaripano, promoveu um levante contra o presidente em um quartel na cidade de Valência, mas acabaram rendidos por outros membros das Forças Armadas. Em um vídeo publicado na internet, Caguaripano se declarou contra a “tirania assassina de Nicolás Maduro” e defendeu que o levante não era golpe, mas sim “uma ação cívica-militar para restabelecer a ordem constitucional e salvar o país da destruição total”. O comandante exigia que o governo respeitasse a independência do Parlamento. Houve protestos próximo ao local onde aconteceu o levante em favor dos rebeldes. No entanto, o alto escalão das Forças Armadas reforçou o apoio ao governo, ajudando a descontruir a narrativa de que Maduro já não teria mais a proteção dos militares (Deutsche Welle, 2017).

As experiências dos levantes fracassados não foram suficientes, entretanto, para a oposição desistir da estratégia de angariar apoio entre os militares. No dia 30 de abril de 2019 ocorreu a Operação Liberdade, na qual Juan Guaidó promoveu a investida mais ousada contra o governo Maduro. Guaidó havia se autoproclamado presidente da República, no lugar de Maduro, sob a argumentação de que a reeleição do mandatário havia sido fraudada. Aproveitando-se do apoio internacional e de setores da sociedade que possuía à época, o autoproclamado presidente foi à base militar de La Carlota, no centro de Caracas, acompanhado de uma dezena de militares rebeldes e de Leopoldo López, um dos líderes históricos de oposição ao chavismo, que até então estava em prisão domiciliar, mas foi libertado pelo chefe do Serviço Bolivariano de Inteligência, Christopher Figueira (Charleaux, 2019).

A aparição de López no vídeo gravado pelos envolvidos na Operação foi usada como uma suposta prova para a sociedade de que os militares teriam mudado de lado. No mesmo vídeo, Guiadó conclamava as Forças Armadas a rebelar-se contra Maduro e a população a se mobilizar nas ruas; entretanto, novamente, a investida foi frustrada pelo alto comando militar, que reforçou o apoio ao governo, e membros da Guarda Nacional foram ao local para combater os manifestantes. O resultado do embate foi de cinco mortos e dezenas de feridos. Os membros da alta cúpula do governo prontamente responderam à iniciativa golpista. Diosdado Cabello, um dos mais combativos defensores do chavismo; Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Constituinte; Vladimir Padrino López, ministro da Defesa; Tarek William Saab, o procurador-geral da República, dentre outros reforçaram sua lealdade ao presidente e asseguraram que as Forças Armadas continuavam do lado do governo. Maduro, por sua vez, convocou manifestações para mostrar que seu mandato ainda possuía respaldo popular e foi atendido por seus apoiadores, que saíram pelas ruas de Caracas.

A militarização do Estado, possibilitada pelo crescente ativismo político das Forças Armadas, que ocupa espaço cada vez maior na administração do país, tem sido um dos principais escudos para o governo se proteger das investidas opositoras para derrubá-lo. Isso implica um aprofundamento radical dos processos desdemocratizantes em andamento desde o primeiro governo de Chávez. Ao aprofundar a militarização do Estado e da sociedade venezuelana, havendo a utilização cada vez maior das Forças Armadas nas tarefas de segurança pública, a repressão aos movimentos opositores nas ruas se tornou um problema cada vez maior, em vista da crescente contestação ao governo Maduro. Com isso, a Venezuela se tornou o primeiro país da América Latina alvo de investigação do Tribunal Penal Internacional por supostos crimes cometidos contra a humanidade por parte do Estado, durante a onda de protestos de 2017, que provocou a morte de 155 pessoas (Singer, 2021).

Paralelamente, as estratégias adotadas pelo chavismo desde 1999 voltadas para democratização do Estado sofreram forte retrocesso desde a chegada de Maduro ao poder. O país se encontra em meio a uma crise econômica sem precedentes na história, gerada por uma confluência de fatores: decisões equivocadas do governo na política macroeconômica (Sutherland, 2016; 2018); a retração do preço do petróleo, impulsionada sobretudo após a desaceleração do crescimento chinês; e as severas sanções econômicas aplicadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia (Sachs; Weisbrot, 2019). A hiperinflação e o forte rebaixamento do PIB impedem o governo de manter o nível de gastos com políticas sociais que havia nos tempos áureos do chavismo. O resultado disso é uma elevação exorbitante da pobreza e um êxodo populacional nunca visto na história do país. Por conseguinte, o que observamos na Venezuela atualmente é um avanço crescente e acelerado dos processos de militarização e de desdemocratização, em todas as quatro variáveis estipuladas por Charles Tilly (2007).

Considerações finais

Neste artigo, discutimos as transformações nas relações entre civis e militares na Venezuela ao longo dos governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Concluímos que as mudanças ocorridas vêm provocando progressivamente a militarização e a desdemocratização do Estado venezuelano.

Ao longo dos governos de Chávez, notamos que o processo de desdemocratização se desenrolava concomitantemente a uma série de medidas que caminhavam no sentido oposto, de democratizar o país. Havia, por outro lado, um conjunto de iniciativas voltadas para a inclusão de minorias, para a ampliação da participação direta, para o combate à desigualdade social e para a integração regional. Em contrapartida, as instituições políticas - dentre elas as Forças Armadas - sofriam constante interferência do Executivo, no sentido de concentrar o poder nas mãos do mandatário.

Além disso, os militares foram incentivados a abandonar sua posição apolítica determinada pela Constituição de 1961, e passaram a atuar em funções fora da esfera da defesa nacional, como a de promover segurança pública, de implementar políticas sociais, de gerenciar empresas estatais e de inclusive compor a base ministerial. Acusações de corrupção e de violação dos direitos humanos passaram a ser frequentes.

No governo do seu sucessor e correligionário, o cenário já era mais adverso, com o aprofundamento da crise econômica e com o recrudescimento dos grupos opositores, dentre os quais alguns têm se empenhado para derrubar o presidente, utilizando-se inclusive de táticas golpistas. Diante disso, Maduro tomou algumas decisões com o fim de intensificar os processos desdemocratizantes em progresso desde o governo anterior, dentre eles o da militarização do Estado e da sociedade. A utilização da força militar em tarefas de segurança pública, incluindo a repressão aos protestos de rua, é o exemplo mais evidente da relação entre militarização e desdemocratização. Como vimos, a Venezuela é o primeiro país da região a ser investigado pelo Tribunal Pena Internacional Penal por supostos crimes contra a humanidade.

Já o vetor democratizante impulsionado pelo chavismo no período áureo à frente da administração do país - marcado especialmente pelas políticas de inclusão das minorias e de combate à pobreza e às desigualdades sociais - encontra-se em forte declínio, por conta das enormes dificuldades econômicas por que passa o país e pelas mudanças no cenário geopolítico latino-americano, agora menos inclinado ao apoio mútuo entre as nações.

Referências

Notas

  • 1
    Concebemos o acontecimento como um elemento perturbador da ordem social e política, que impacta todos os sujeitos, de forma simultânea, porém não necessariamente do mesmo modo. O acontecimento promove uma “abertura societária” e rompe com a historicidade linear, interpelando o passado e o presente, ao passo que cria as condições para um novo futuro.
  • 2
    Cumpre ressalvar que o “entrincheiramento” dos meios tem alimentado a polarização da sociedade venezuelana, excluindo a possibilidade dos lados se entenderem, formando um círculo vicioso que põe em risco a democracia e o direito cidadão a informação livre, plural e sem distorções por interesses políticos e econômicos. É como se houvesse um entrelaçamento entre o campo da política e o campo do jornalismo a ponto de os jornalistas exercerem o papel dos políticos e os políticos atuarem como jornalistas (Lopéz, 2010).
  • 3
    Goldfrank (2011) adverte que, embora as políticas de participação, a despeito de representarem um avanço democrático, os conselhos comunitários eram gestados de forma vertical pelo governo federal, que controlava o repasse de verbas para os conselhos, reduzindo o seu potencial democratizante.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2022
  • Aceito
    12 Dez 2022
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